Quem sou eu

Minha foto
Porto Alegre, RS, Brazil
escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Antes de tentar dormir

Queridos e queridas,

Apesar de não ter praticamente dormido na noite anterior, cá estou neste novo começo de madrugada. São três horas da manhã e a pergunta que me faço é: sobre o que escreverei hoje?
O cansaço, a noite mal dormida, somada à necessidade de dormir daqui a pouco, de qualquer jeito, me tira a inspiração. Penso até em me dar folga, levanto, sento de novo, sinto-me culpada por deixar as linhas em branco, a coluna sem texto. Mas por que, se afinal, eu escrevo se quiser, e se não quiser não escrevo, e nada vai mudar? Porque, dentro de mim, pulsa a necessidade compulsiva de dizer algo. Não sei nem o que, ou porque, mas é necessário.

Bem, então já temos um começo de texto, e de inspiração. Às vezes fazemos coisas na vida sem sabermos exatamente o motivo, mas fazemos. Às vezes nos damos um dia de folga, mas não sabemos como aproveitar esse dia. Às vezes nos sentimos culpados, o maldito sentimento de culpa desvelado por Freud e que se apresenta, impiedoso, diante de nossas ações, inações e intenções. Por que fiz isso? Por que disse aquilo? Ou, por que não fiz nem isso nem aquilo, por que não falei, ou por que falei demais?
Quando um cineasta, e especialmente quando um jovem cineasta capta essas sensações - que vão da impotência à onipotência, do nada ao tudo, do desejável e do necessário, podemos imaginar que veremos um bom filme. Ou um filme excepcional, como é o caso de Antes da Chuva, uma produção realizada no ano de 1994 por Milcho Manchevski. Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza, e indicado em 95 ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Esse foi o longa de estréia desse jovem diretor, hoje com 49 anos e vivendo nos Estados Unidos. Nascido na extinta Iugoslávia, Manchevski inovou na forma de abordar, com um roteiro interligado por três histórias que se complementam e se tornam uma só, solitária e sólida história de amor. Amores em meio a confrontos de fundo religioso, político, e de um profundo vazio existencial. Todos os personagens vivenciam de alguma forma esse vazio, essa gratuidade da vida diante da iminência de uma guerra, movida pelo fanatismo religioso, pelos interesses políticos. O pano de fundo de Antes da Chuva é exatamente essas reviravoltas políticas que afetam a Macedônia e repercutem em Londres. Que perpassam o mundo muçulmano do Oriente e o mundo cristão do Ocidente, o comunismo do Leste Europeu e o capitalismo do Oeste. Palavras, rostos e imagens são os títulos das três histórias.
Na minha modesta opinião, este filme foi decisivo, um divisor de águas para outros diretores se inspirarem para realizar histórias formadas por recortes, mosaicos, forçando o espectador a ficar atento para todos os detalhes, todas as sutilezas e as reviravoltas no roteiro. Cineastas como Inharritu possivelmente beberam dessa fonte. Antes da Chuva é para mim uma obra-prima, porque os personagens tem uma densidade tão forte, mas tão forte, que o pano de fundo da guerra, da discriminação étnica, dos atentados, tudo fica coadjuvante se comparado à força do olhar, da palavra de cada personagem em cena. Não é um filme fácil. Não é um filme para ser visto por multidões. É um filme para ser apreciado, degustado, refletido, compreendido.

Compreender que o vazio existencial é algo tão forte, é um buraco no estômago que atravessa a humanidade como a bala que explode uma cabeça em um restaurante. Que um amor de um monge por uma garota refugiada é algo tão digno de beleza e tão impossível em um mundo que divide as pessoas em compartimentos, muralhas, rótulos. Que uma que mulher ama o marido e ama o amante, carrega a culpa mortal como o preço a pagar pelo amor que sente. A mesma mulher que diz para o marido que quer se divorciar dele também diz que o ama. Sinceramente.

Somos humanos, contraditórios. Humanos. Esse filme carrega essa humanidade com poesia, com uma fotografia belíssima, que retrata um recorte do mundo que não tem beleza, senão crueza. Crueza essa que terminou por levar, no mundo real, à guerra entre bósnios e sérvios, e a aniquilar a vida da Iugoslávia. "Eu quero me divorciar de você, mas eu te amo". E a Iugoslávia sumiu do mapa.

Bem, como eu não sabia sobre o que falar, optei por falar sobre o que sempre saberei falar. De meu filme predileto, Antes da Chuva.
E dedico esse post ao meu querido filho Thomas, que fez para mim um café preto maravilhoso, o que me permitiu terminar essas mal traçadas, antes de tentar dormir.
Beijos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário