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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

domingo, 16 de agosto de 2009

Álbum de família

Queridos e queridas,

- Olá, como vai, tudo bem?
O que você responderia?
- Oi, tudo bem, e tu? - creio que essa seria a resposta.
Mas...
Será que estamos bem, mesmo?

Será que temos o direito de responder ao outro "Não, não estou bem, na verdade não estou nada bem, porque minha filha me ignora, meu filho vai morar com a namorada, meu filho morreu e nunca mais vou vê-lo, meu emprego é uma merda, meu salário é uma merda, a vida é uma merda, eu sou uma merda, tu também é uma merda"
e outras respostas afins.
Podemos responder, "Sim, estou bem, estou muito bem, pra falar a verdade, nunca estive melhor em minha vida, apesar de minha filha me trocar pela madrasta, apesar de meu filho não morar mais comigo, apesar de meu filho estar em um outro plano sem dúvida melhor que este, apesar de todas as merdas unidas & reunidas, eu estou muito bem, obrigada. E você?"

Olho os porta-retratos, que eu colecionava. Olho para um gigantesco álbum de família que literalmente preguei na parede em minha casa, com fotografias minhas de infância, de minha família, de pessoas queridas que, umas se foram, outras, mesmo ficando, também se foram, e todas, ficando ou não, estão em minha memória, fazem parte de minha vida.

E no entanto, a vida de cada um é a vida de cada um. Uma das fotos que eu mais adoro olhar, e não é só porque estou bem jovem e magrinha naquela foto, mas é porque estou tão redondamente feliz, que não canso de olhar e reviver aquele instante, fugaz, quando estacionamos o carro perto do Rio das Antas para tirar uma foto, eu, meu filho mais velho, que tinha ali uns quatro aninhos, e minha filha que ainda era bebê, um grande e fofo bebê no meu colo.

Lembro de minhas amigas, das que tem filhos, e também das que não tem, mas que de alguma forma convergem seu instinto maternal para cãezinhos, periquitos, causas sociais.
Lembro que em cada fotografia dos álbuns de família os sorrisos escondem as lágrimas. Os abraços escondem os empurrões. As reuniões escondem as desuniões.

O único e verdadeiro amor incondicional é o que nutrimos por nossos filhos. O amor generoso, o amor bondoso, o amor desapegado, o amor de quem deseja sempre a felicidade. Acredito que esse amor possa acontecer também em outros campos da vida afetiva, entre irmãos, com parceiros, com amigos, com parentes.

Mas na vida interrompemos ou somos interrompidos nessas relações, eternas enquanto duram. Com um filho, não é a mesma coisa. Meu filho, não importa a idade que tenha, eu peço que se agasalhe para não pegar um resfriado. Eu choro com sua tristeza, eu sorrio com sua alegria, eu luto em sua luta, eu sou o começo, o fim e o meio, como disse Raul Seixas, de uma nova geração a qual somos ligados a vida inteira. Nas presenças e nas ausências.

Até nossos sonhos se transformam e se fundem nos sonhos de nossos filhos. Por exemplo, podemos adorar ópera e viajar pelo mundo. Mas o melhor programa do mundo passa a ser, por exemplo, as reuniões com os filhos, em casa,
nem que seja uma vez por ano, nem que seja no dia do aniversário.

O aposentado Matteo Scuro é fã ardoroso de ópera. Ele esperou em vão a reunião com os filhos em seu aniversário. Seus filhos foram todos batizados com nomes de cantores de ópera (Álvaro, Tosca, Giuliano, Norma). Scuro decide viajar pela Itália, visitar cada um de seus filhos. O que ele descobre, é que a verdade vai aparecendo quando ele e sua família decidem encarar a vida de frente, e não viver sobre uma mentira, abraçados sorridentes fazendo pose para um foto. Esta dolorosa viagem de descoberta acontece no filme Estamos todos bem (1989), dirigido por Giuseppe Tornatore. O sensacional ator Marcello Mastroianni interpreta Matteo, um homem que depois dos setenta anos se dá conta da mentira que construiu para si e para sua família, na expectativa de que todos estivessem bem, de que todos sempre estiveram e estariam bem.

Então, se é isso o que realmente queremos, para nós e para os outros, vamos fazer uma viagem como a de Matteo. Pelos nossos interiores, pelos corredores, pelos labirintos. Deixando os outros irem. Para que em algum dia, quando alguma foto saltar desse álbum da família e perguntar, como estás?, tu possas dizer, do fundo de teu peito e de tua alma,
que estás bem, que estás muito bem.
Fiquem bem!

Um comentário:

  1. Dolorosamente verdadeiro, atual, corriqueiro!
    Naõ importa quem seja. Estamos todos aí. Estamos todos assim!

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