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Porto Alegre, RS, Brazil
escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

terça-feira, 30 de junho de 2009

Problema e solução

Queridos e queridas,

Se é verdade que a toda solução precede o problema, não é verdadeiro afirmar que todo o problema tem solução. Isso não é certo, não é justo, mas assim é que é na vida real. Deveria ser algo lógico, matemático, causa e efeito. Por exemplo,uma maçã cai da árvore. De cima para baixo. Primeiro a causa, depois o efeito. Só que no cinema isso não tem graça nenhuma. Soa clichê, batido, comum, normalzinho. A maçã tem que ir debaixo para cima, de um lado para outro, girar em torno de si mesma, gravitar em torno de Saturno. Qualquer coisa, menos cair em cima da cabeça de Einstein enquanto ele cochila. Mas poderia ser na cabeça de Eisenstein, enquanto ele estava filmando.

Ao contrário dos que defendem a filmagem como o mais importante no processo de produção de um filme, eu sou adepta da importância cada vez maior da montagem, da finalização. Não tirem do contexto o que acabei de afirmar. Sem filmar não há filme, óbvio. Mas a filmagem é uma parte - importantíssima - a partir da qual chega-se ao começo da etapa final daquela idéia que se transformou em um roteiro que se transformou em cenas e locações e personagens e enquadramentos e Eureka!, vamos para o corte um, dois, três, vinte e três, sei lá, até que o diretor diga que o filme terminou. Ah, eu também sou adepta de que o filme não termina. Quem decide isso é o espectador. O fim pode não ser o fim, mas o começo. Mas daí já estamos na filosofia.
Voltando:
Quando o roteirista cria a história, em seu imaginário passa um filme por sua mente. Quando o diretor lê essa história, um filme, talvez não o mesmo, passa pela sua cabeça. Quando os demais integrantes da equipe lêem o roteiro, as cenas decupadas e tal, vários filmes estão passando por suas cabeças. Criar uma identidade em torno de uma idéia, de uma história que se quer mostrar, eis o desafio de criar um novo filme. E essa é a parte mais maravilhosa, da criação que começa no começo, continua no processo e prossegue na finalização. E continua no lançamento, nas exibições, nas apreciações do público, dos críticos, e do que a própria equipe vai achar depois de ter trabalhado oito mil horas em dias e noites viradas e regadas a café, coca-cola e mais café e mais coca-cola (não é propaganda, é que eu particularmente adoro café e adoro coca-cola).

Problema: roteirista estressado. Em crise. Endividado. Crise da meia idade. Separou-se. Não separou-se. Prazo para entregar o roteiro.
Solução: Resolver a crise. Pagar as contas. Ou ficar no spc, serasa, ser fichado no fbi. Separar-se. Não separar-se. Ter um caso. Não, não, seria mais outro problema...

Problema: diretor com crises de superego. Síndrome de Orson Welles. Não consegue reunir a equipe dos seus sonhos. Orçamento baaaaaaixo. Cansado de galinhar. Medroso para assumir um compromisso.
Solução: Resolver a crise. Terapia. Esconder os espelhos por onde passar. Repetir a palavra Rosebud como um mantra. Remédios tarja preta. Chamar cada membro da equipe com o nome de um personagem clássico do cinema. Acreditar que são eles, de verdade. Mais remédios. Duas tarjas pretas. Procurar novas experiências sexuais. Ou seria mais um problema...

Problema: Montador entediado. Monta filmes 48 horas por dia. Não sabe se está no planeta Terra, se hoje é 30 de fevereiro, se Pelé morreu, quem é o novo astro do Big Brother. Não consegue beber, porque seus dedos não conseguem teclar o copo. Nem fumar, porque seus dedos não teclam o cigarro. Nem...
Solução: Resolver a crise, fisioterapia 48 horas por dia. A cada 15 minutos de intervalo, assistir Jornal Nacional, ou da Record, ou do SBT, para ficar por dentro do que é notícia no mundo. Voltar a beber, de canudinho, e a fumar e a ... não, chega de problema...

Problema: produtor chato.
Solução: trabalhar sem um produtor. Ou seria mais outro problema...

É uma loucura só escolher essa vida. Mas eu não saberia mais escolher outra coisa na vida. Problema ou solução?
Beijos!

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Para Valéria, Waleska e para todas as mães do mundo

Queridos e queridas,

Em um dos memoráveis diálogos nos romances de Jean-Paul Sartre, um personagem questiona o absurdo que é morrer em uma guerra. Tão jovem, a vida toda pela frente... ao que o outro personagem prontamente rebate: morrer é sempre absurdo. Não importa se aos nove ou se aos noventa, portanto. Será?
Valéria é uma querida amiga minha. Waleska é minha querida irmã. Elas não se conheciam. Por uma dessas ironias do destino, souberam da existência uma da outra por causa de um trauma em comum, da dor mais lancinante que um ser humano talvez seja capaz de suportar: a perda de um filho. Não importa se aos nove ou se aos noventa, a perda de um filho é, e sempre será, um absurdo.
Talvez mais absurdo seja saber-se vivo e ter que continuar vivo, respirando oxigênio, expirando algum resquício de esperança no destino, para que em algum momento da vida vindoura venha também alguma explicação, que tenha algum sentido, que continuar vivo não seja em vão. Outro trauma em comum: ambos os jovens foram assassinados. Um, por latrocínio. O outro, por engano. Outro trauma em comum: ambos os criminosos são jovens, jovens como os que tiveram sua vida ceifada. Assim. Um tiro, dois tiros, três tiros, quatro tiros.

A lei dos homens prevê julgamento, prevê privação de liberdade, cumprimento de pena. A lei de Deus, para os que acreditam Nele, é a lei da justiça divina. Para os que não acreditam, a teoria sartreana da condenação a ser humano, livre e mortal. Acreditando em Deus ou não, o fato é que temos o livre arbítrio. Por isso, uns agem de um jeito, e outros agem de outro jeito. Nada justifica matar alguém. Eu sou defensora dos direitos humanos, quem me conhece sabe, e quem não me conhece, por favor, não pense que defensores de direitos humanos são defensores de bandidos. Eu defendo o direito à vida, o direito a uma vida digna. Para todos. E se há algo sartreano com o qual eu concordo inteiramente é a lucidez com que ele percebe que o inferno está aqui mesmo, no que fazemos ou deixamos de fazer, agindo de má fé, marionetes de sistemas que desumanizam, que aumentam cada vez mais os abismos sociais, econômicos e humanos entre as pessoas. Por isso, jovens matam, jovens morrem. Por isso, todas as mães do mundo choram por seus filhos, temem por suas vidas, e fariam tudo o que pudessem para estar no lugar deles, seja numa guerra, na saída de uma festa, na carona de uma moto, em um presídio.

Amanhã será mais um dia doloroso para a minha querida amiga Valéria. O julgamento. Que para a minha querida irmã Waleska acontecerá em um futuro não muito distante. Eu peço a elas, e peço a todas as mães do mundo, que compreendam, não que entendam, mas que compreendam que todo o amor que elas carregam precisa, e muito, ser dado a muitas pessoas que neste exato momento sofrem de fome, de doença, de falta de afeto. No filme A Corrente do Bem (direção de Mimi Leder 2000), um jovem (Haley J.Osment) acredita ser possível mudar o mundo a partir da ação voluntária de cada um. Com seu idealismo, ele termina por contagiar um sisudo professor (Kevin Spacey), até então cercado por suas próprias defesas. A morte absurda do jovem não termina, na verdade estreita ainda mais os laços entre aqueles que de alguma forma foram tocados por seu idealismo e pela vontade de viver em mundo melhor.

Nós somos todos tocados por vocês, mães de todo mundo, Valéria e Waleska, pessoas de coragem, de fé, de uma corrente do bem.
Beijos

Se eu morresse amanhã (Álvares de Azevedo)

Se eu morresse amanhã,
viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã
Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alvaAcorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã!

domingo, 28 de junho de 2009

Dunga, Lucio e o Gladiador

Queridos e queridas,

Confesso que o mais me chama atenção quando o assunto é futebol é a realização da Copa do Mundo. É a oportunidade de ver homens bonitos de várias nacionalidades. Tem algo também no futebol que deve ter raízes inconscientes, porque não há lógica alguma que explique por que, nesta capital do Rio Grande do Sul, ou se nasce colorado, ou se nasce gremista. Eu sou colorada. Mesmo quando não vejo os jogos, não sei os resultados, não vou ao estádio, não sei dizer o nome da metade dos jogadores. Sou colorada ontem, hoje e sempre. Como o sangue que corre em minhas veias.
Confesso também que sempre que a Seleção Brasileira jogava, quando eu era criança, eu torcia, torcia muito pelo meu time, minha seleção, meu país. Era verde e amarela da cabeça aos pés, apesar de suspirar pelos jogadores italianos. Mas na seleção estavam Falcão, Rivelino, Zico, e outros que eu admirava pelo jogo, pelo amor à camiseta.

Cresci, e fui percebendo que não precisa ser comentarista de futebol para concluir que o futebol, o jogo mais importante e popular do mundo, também se transformou em um dos negócios mais lucrativos do planeta. Um bebê que chuta na barriga da mãe poderá ser o novo Ronaldinho, ou Ronaldo, o fenômeno. O futebol tornou-se algo tão indispensável ao mundo pré-apocalíptico capitalista, que hoje há agentes, empresários, ministério, contratos e cláusulas nos quais tudo que rende cifras importa, especialmente exportar jogadores para clubes do primeiro mundo, onde se recebe em dólares e em euros.
Enquanto o povo assiste os jogos pela televisão, ouve no radinho de pilha, reunidos no boteco ou ficando afônicos no estádio, os jogadores degladiam-se por causa de uma bola que é literalmente chutada para todos os lados, até que o time que fizer mais gols leva os pontos, a taça, e muito, muito dinheiro.

E eu só passei a gostar de acompanhar os jogos da Seleção Brasileira depois que o eterno Capitão Dunga assumiu como técnico da Seleção. Bairrismo? Não, apesar de Dunga ser meu vizinho, e nem saber disso, e de caminhar no mesmo lugar que eu caminho, e nem saber disso. Eu sou sua admiradora secreta, desde os tempos do Internacional. Dunga simboliza para mim aquilo que eu admiro em um ser humano: trabalho, talento, competência, dedicação, simplicidade, generosidade, e também cara amarrada e espírito de luta, de combate, de ir para cima no campo, nas regras, até vencer. Dunga é um vitorioso. E a fama e o dinheiro não lhe subiram para a cabeça. Talvez por ser como é, não é o queridinho do centro do país. Por não fazer joguinhos de palavras com a mídia, também não é a bola da vez nas coberturas de imprensa. Dunga vai onde tem que ir e faz o que tem que fazer. Assim como Lúcio. Outro ex-Internacional. Será coincidência? Brincadeira à parte, Lúcio é um homem grande, não só em tamanho, é grande em obstinação, dedicação, ele até me assusta quando está em campo. Porque parece que vai sair de lá morto, se preciso for. Entregar-se, jamais.

Cada vez que vejo novamente o filme Gladiador (direção de Ridley Scott, 2000), admiro não somente a perfeita reconstituição do Coliseu que o diretor fez no Marrocos, e as atuações de Russel Crowe e Joaquin Phoenix. Admiro a analogia entre as formas de enganar a torcida, na política do pão e circo: Assim como na época do declínio do Império Romano, as batalhas sangrentas no Coliseu divertiam os romanos enquanto Roma era invadida pelos bárbaros, o futebol hoje diverte os povos enquanto lhes saqueiam uma vida digna e socialmente justa.

Por isso, é bom saber que no futebol, além de dólares, euros e empresas, há os que jogam no campo, para no final levantarem com orgulho uma taça, estufarem no peito uma medalha, chorarem emocionados com a vitória e poderem ir dormir descansados, pensando: Eu mereci.
É isso o que todos merecemos. Batalhar para merecermos um mundo melhor. Senão, qual é o sentido de um gol?
Beijos!

sábado, 27 de junho de 2009

Traição

Queridos e queridas,

Ultimamente, ou tenho insônia e, portanto, não durmo, ou, quando durmo, tenho sonhos ruins (pelo menos aqueles flashes dos quais me recordo, parcialmente, logo ao acordar). Hoje acordei lembrando de duas mulheres que não conheço, e que saíam de um lugar diferente, estavam fechando uma porta em estilo medieval. Elas olhavam para mim com um olhar irônico, sorriam para mim com um sorriso debochado.

Bem, como o pesadelo da noite anterior foi muito pior - sonhei que vários dentes estavam caindo - resolvi que não viria para o computador bisbilhotar o significado dos sonhos. Tenho tentado, e vocês não tem idéia do que isso me custa, não olhar horóscopo, não decifrar mensagens em sinais, não procurar agulha no palheiro. Porque sou uma pessoa tão forte quanto fraca, tão objetiva quanto subjetiva, tão pragmática quanto sensível. Sou capaz de atravessar uma muralha por uma causa na qual acredito. Mas também sou capaz de me afundar no abismo por causa de uma deslealdade, uma mentira. Cada um com seus valores.

Não sou nenhuma santa. Mas sou leal. O que quero dizer com isso é que, por exemplo, quando meu casamento começou a virar água, eu discutia a relação, fazia terapia, tentava acender o fósforo, reavivar o fogo. Eu via os sinais, mas insistia em atravessar a muralha. A traição que aconteceu, muito mais do que sexual, foi uma traição às minhas tentativas de lutar por uma felicidade que na verdade só existia na minha imaginação. Às vezes, a ficha só cai quando admitimos que perdemos a batalha, para não perder a guerra. Que neste caso, é terminar o casamento, para continuar tentando ser feliz.

Por isso, para mim, traição é muito mais do que ser infiel a alguém. Trair é mentir, trair é fingir, trair é enganar, é puxar o tapete, é dizer uma coisa e fazer outra. É ser teu amigo e te golpear pelas costas. É assumir um compromisso, dar sua palavra, e no dia seguinte fazer de conta que aquilo não era nada. É estar contigo, conversar, sorrir, e de repente, sumir. Se estamos sóbrios e em pleno uso de nossas faculdades mentais, então traímos porque somos uns canalhas. Ninguém, ninguém merece ser enganado. Nem o traidor. O grande problema é que muitas pessoas preferem ser enganadas, fingir para si próprias que estão bem. Não querem se olhar no espelho, encarar a realidade, que na maior parte das vezes é difícil, é bem dolorosa.

Por isso tenho poucos amigos. Cada vez menos. Sou geniosa, sou teimosa, sou um furacão de idéias, de adrenalina, e já comprei muitas brigas que não eram minhas, porque não admito injustiças. E já fui muito mal compreendida por isso. Já me magoei com essas coisas. Agora, não sei se é a idade, ou se estou ficando madura mesmo. Mas me choco um pouquinho menos, me desencanto um pouquinho menos quando me passam a perna, quando me enganam, quando me traem.
O que ensinei aos meus filhos, e tenho muito orgulho em dizer, é: lutem sempre, não desistam diante das dificuldades, que serão muitas. Eu não soube ensinar eles a fritar um ovo direito, até hoje estou tentando, mas tenho a tranquilidade de saber que eles me tem como referência para lutar, batalhar, e não cair diante das muralhas.
Por exemplo. Eu sonhei com um castelo. O castelo virou castelo de areia. Por que? Porque só se ergue um castelo, pedra por pedra, com um grupo unido, leal, entusiasmado, forte. AH!! E um pequeno detalhe de nosso mundinho pré-apocalíptico capitalista: dinheiro. Parece que sem dinheiro não alugamos nem uma espelunca de quartinho em um cortiço. Seguro-fiança, pagamento de caução, xerox de documentos, entrega de papeladas, vinte mil assinaturas, foto autenticada da bisavó, coisinhas assim. Tentei e me danei. Sou pé frio, mão queimada, um encosto! Só pode ser... ou há outra explicação?
Quando vi O Ensaio sobre a Cegueira (2008), percebi toda a sensibilidade do diretor Fernando Meirelles em adaptar a obra de José Saramago, sobre uma epidemia que se abate sobre uma cidade. O filme mostra o total desmoronamento da sociedade dita civilizada, que somente quando chega ao colapso tenta resgatar a humanidade perdida. Pois eu imaginava que eu seria a mulher do médico (perfeitamente interpretada por Julianne Moore).
Mas que nada, a cegueira diante das surpresas da vida ainda não me deixa enxergar o mundo como ele realmente é. Um bando de gente que só pensa em si, que se aproxima por interesse, que se afasta quando não tem mais interesse... Pode ser que isso seja normal, que seja assim mesmo. Mas eu não concordo. Ainda acho que estou cega. Porque não estou enxergando uma palavrinha. Uma palavrinha só: caráter.
Fiquem bem!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Eu, M.J. e os manequins

Queridos e queridas,
Liguei o rádio hoje de manhã, e a música era do Michael Jackson. Liguei a tv, não queria ver noticiários, porque o destaque seria... e fui para a tv de assinatura , mas bah, eram videoclipes com os melhores momentos de Michael Jackson. É claro que fiquei vendo, e é impossível não dançar. Thriller será eternamente o melhor clipe musical, forever and ever, como cantava Freddie Mercury.
Por ossos do ofício e do vício, a cada cinco minutos que eu ficava a olhar sites de notícias, eu acompanhava as manchetes: se M. J. morreu de overdose, se sua morte foi criminosa, se suas dívidas ultrapassavam os 500 milhões de dólares, se isso e se aquilo, e mais as homenagens, os melhores momentos, a disputa pela guarda dos filhos. Só não li, ouvi ou vi hoje algo em torno de quem será o ator que vai interpretar o Moonwalker no cinema. Sim, porque a história de M.J. rende não somente um filme, mas uma franquia, bem ao gosto dos produtores de Hollywood. Morreu o astro pop, fica o mito. E com ele, os mistérios, interesses e negócios feitos pelos vivos, muito vivos. Arte também é negócio. No caso de M.J., ele tinha tanto talento para fazer, como para derreter fortunas. Tanto para ser idolatrado, como para ser processado. Foi negro, foi branco, foi saudável, foi doente. Foi um talento e foi uma incógnita.

Em uma entrevista que ele deu para a Rolling Stone, duas coisas chamaram muito minha atenção. A primeira: M. J. se achava tímido, e só se libertava da timidez quando estava em um palco. Quando estava lá, não queria mais sair. Ficava em transe, hipnose, tamanha sua devoção em atuar, cantando, dançando, sapateando. Saía de sua vida para incorporar seu personagem.
A segunda coisa que me chamou especialmente a atenção é algo que aproximou demais M.J. de mim. Ele revelou que tinha verdadeira fascinação por estátuas, manequins. Não estou me referindo ao seu gosto excêntrico, já que ele tinha inclusive um zoológico com direito a cobra e tudo o mais.

Eu me refiro à solidão de M. J. Com todo o dinheiro, o luxo, a fama, e naquela mansão onde eu imagino tudo do melhor e do melhor ainda, e no entanto, ele via nos manequins os amigos imaginários que na vida real ele não tinha.
Desculpem, meus amigos e minhas amigas que agora lêem e podem se sentir chateados comigo. Mas às vezes a gente é tomado por um vazio existencial. Vejam só. Estamos aqui, de passagem. Fazemos laços. Como a palavra define, laços que são feitos e são desfeitos. Tudo é movimento. Tudo é efêmero. O que ontem estava perto, hoje está distante. Acho que para esses momentos de total lucidez, que para alguns pode parecer loucura, encontramos conforto espiritual em padres, terapeutas, e amigos. Ou em manequins. Que nós vemos, mas que não nos vêem. Para os quais confidenciamos, e que não nos ouvem. A relação com os amigos é uma relação de afeto, e de respeito pelo outro. A relação com os manequins é uma relação muito mais profunda. É quando, falando sozinhos, ouvimos nossa própria solidão.
Fiquem bem.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

This is it

Queridos e queridas,

Michael Jackson morreu. 50 anos, ataque cardíaco, talvez por excesso de medicamentos. Farrah-Fawcet também morreu hoje. 62 anos, câncer. Ao saber dessas tristes notícias, deparei-me com flashes de minha infância. Eu andava de bicicleta com os cabelos voando pelo rosto, como se fossem os cabelos da pantera Jill. Eu não perdia o desenho dos Jackson Five, especialmente por causa do irmão caçula, Michael. Eu era criança, mas eu olhava aquele menino e pensava... ele vai longe. Eu via aquela mulher linda, sorriso largo e o corte de cabelo mais cobiçado no mundo naquela época, e pensava, só ela para conquistar o homem de seis milhões de dólares, Lee Majors, seu primeiro marido.
Quem conhece ou viu o filme Love Story (1970, direção de Arthur Hiller), com Ali MacGraw e Ryan O'neal, sabe que se trata de uma triste história de amor, no qual a doença e a morte, ao contrário de separar quem se ama, torna o amor mais forte. Ryan O'neal foi casado com Farrah-Fawcet. Separaram-se. Voltaram a ficar juntos, e há pouco tempo, com ela já muito doente, voltaram a casar. Love stories acontecem na vida real. Ryan O'neal verbalizou em uma frase toda a dor que sente. "Não sei o que vai ser de minha vida sem ela". Viver, apesar de perder quem se ama, é morrer um pouco também.

Não é exagero meu dizer que o mundo chora a morte de Michael Jackson. Artista polêmico, alvo de denúncias, acusações, escândalos, o fato é que o menininho dos Jackson five se negava a crescer, e saiu de sua infância humilde literalmente para o mundo. E apesar de todo o seu inigualável talento, olhem a ironia desta manchete, que li hoje: "Jackson muda a história da música, mas morre sozinho e endividado". Mesmo para lá de endividado, negava-se a se desfazer do Rancho Neverland, nome não escolhido ao acaso. Ele foi abusado pelo pai na infância. Ele foi acusado de pedofilia. Foi branqueando e se metamorfoseando, até hoje não se sabe se era vitiligo, câncer de pele, cirurgias mal feitas... o que importa?
Quando se é astro, estrela, tudo passa a importar. A cor da pele, o corte de cabelo, se tropeçou ao sair de casa, se come carne vermelha, se usa óculos de grau. Se Farrah-Fawcet não estivesse doente, não estaria sendo alvo de reportagens. Afinal, o tempo passa, e a linda loira de cabelos mágicos ficou em um passado distante. O tempo, na cronologia da tv e do cinema, é o maior inimigo dos artistas. O mesmo vale para Michael Jackson, que embora sendo eternamente o Moonwalker, estava prestes a iniciar a uma turnê para arrecadar dinheiro e cobrir as dívidas, de um mundo sem sentido e glamuroso do qual ele não conseguia mais sair. Alugava uma mansão, apesar de não ter dinheiro... No documentário Living with Michael Jackson (2003), de Martin Bashir, o cantor fez revelações que lhe custaram vários processos. Mas apesar de toda essa vida turbulenta, ele era o rei do pop, o cantor e dançarino que deixou composições, músicas, passos de dança, apresentações e videoclipes inesquecíveis.
Farrah-Fawcet estava gravando suas cenas finais em um documentário, produzido por ela e O'neal. Michael Jackson já havia declarado que a sua nova turnê, que teria 50 shows em Londres a partir de julho, seria a última: "É isso, serão os últimos shows, a cena final. Vejo vocês em julho". O nome da turnê que não houve é This is it.
This is it. A vida. Um fio.
Tchau.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O outro como um outro eu

Queridos e queridas,

Ontem eu escrevi sobre uma cena antológica que se referia à perseguição de inocentes. Diversos cineastas transpuseram para as telas do cinema suas visões sobre as invasões, as guerras, os genocídios, as lutas de classes, os regimes totalitaristas, de direita e de esquerda, e as ilusões da sociedade do espetáculo. Mas foi justamente um cineasta estreante alemão, de nome tão comprido quanto complicado para nós, não alemães - Florian Henckel Von Donnesmarck, que escreveu e realizou um filme ao mesmo tempo dramático e sarcástico sobre como um governo autoritário tenta manter o seu poder, mediante o total controle e vigília sobre os cidadãos e de um modo especial sobre os artistas. Estou falando de A vida dos outros, Oscar de melhor filme estrangeiro em 2007.

Ah, os artistas, sempre eles. Tão fúteis, tão inúteis, e tão indesejáveis no "sistema". Os que não se enquadram, não se entregam, não se deixam cooptar, os que captam no ar fétido e invisível a corrupção, a impunidade, a mentira, a falsidade, a traição. Os que transpõem para o cinema, a literatura, o teatro, a música, as artes plásticas, toda a dor e o estupor de ser testemunho de uma época de mordaça, de luxúria, de globalização da alienação, de uma guerra fria que dá lugar a uma outra guerra, e a uma outra guerra, e a toda e qualquer outra absurda guerra. Da babel da incomunicabilidade entre as pessoas. Que são vistas como números de CPF, de Carteira de Identidade, que ocasionalmente são indispensáveis pelo seu Título de Eleitor, para votarem na esperança de nações melhores. Menos corporativistas, menos clientelistas, menos totalitaristas, menos pseudo-democráticas.
Pois o alemão Florian reconstitui neste filme a Berlim Oriental cinco anos antes da queda do Muro. O ator alemão Ulrich Mühe interpreta o protagonista Wiesler, um agente da polícia secreta alemã que explica aos seus alunos como fazer as pessoas que se opõem ao regime confessar seus "crimes". Ele vai investigar o dramaturgo Dreyman, o único simpatizante do sistema, e se apaixonar por Christa-Maria, namorada de Dreyman. A partir dessa invasão da privacidade do dramaturgo, Wiesler vai fazer uma série de descobertas, antes e após a queda do muro de Berlim. Chega a ter medo de sua própria sombra, ele que se transformou em uma sombra na vida dos outros. Mühe tinha câncer de estômago, e morreu seis meses depois do filme ganhar o Oscar, em fevereiro de 2007. Ele era um dos líderes do teatro na extinta Alemanha Oriental. Sua interpretação marcante é uma das grandes razões de se assistir este filme.

E também porque a vida dos outros é a dos outros. O problema é que regimes totalitários não respeitam a alteridade. Nem os regimes liberais, para os quais só importa, unicamente, a individualidade. Perceber e compreender o outro como um outro eu, como na regra de ouro aristotélica, retomada por Tomás de Aquino, é buscar na solidariedade a possibilidade de uma vida mais justa, mais fraterna. Amar uns aos outros...
Se é possível? Eu recomendo que assistam A vida dos outros. O filme será exibido nesta quinta-feira, às 18h30, na Faculdade de Educação da UFRGS, no ciclo Imagem e Conceito, sob a coordenação do professor Luiz Carlos Bombassaro.
Beijos!

terça-feira, 23 de junho de 2009

A escadaria e o melhor filme do mundo

Queridos e queridas,

Um pensamento que me c0nsome é a dificuldade de trabalhar na área artística nesta cidade, neste Estado, neste país. O trabalho do artista não é, em geral, valorizado. Às vezes o reconhecimento vem somente depois que o artista saiu de sua província, ou voltou do exterior, ou foi descoberto por um "olheiro", ou quando foi escalado para o elenco de Malhação, ou quando foi selecionado para o Big Brother, quando tem um caso com Madonna, ou quando a ele se fazem homenagens póstumas. Às vezes, nem antes, nem depois de morto.
Gente muito boa, competente, dedica sua vida à arte, são atores, artistas de circo, de teatro, músicos e compositores, são escritores, cineastas, produtores culturais, e... a história se repete. Falta verba, falta vontade política, falta visão, falta cultura. Excesso de corrupção, excesso de alienação, excesso de narcisismo. Quando falta a arte, falta o ar puro. Ao contrário de ser fútil e inútil, a arte é a maior e mais profunda expressão de humanidade, dos sentimentos humanos. Dos rastros que as culturas deixam ao longo do tempo, seus vestígios, legados, seu sentido neste mundo. Por exemplo, uma escadaria.

Descendo os degraus de uma escadaria hoje, dei-me conta de que uma escadaria não é apenas uma escadaria. É cinema puro. De gênio. De Sergei Eisenstein. Este cineasta russo roteirizou, dirigiu e realizou aos 27 anos de idade“O Encouraçado Potemkin” (1925). O filme não só é considerado a obra mais importante de Eisenstein, como uma das mais importantes do cinema em todos os tempos, o melhor filme do mundo. Muito embora tenha sido encomendado para celebrar os vinte anos da Revolução Russa, O Encouraçado Potemkin transcende o contexto histórico e ideológico que o gerou, e é uma obra de arte composta por uma montagem inovadora, com o uso da teoria das atrações, impressionantes movimentos de câmera e a sequência de um massacre que eterniza em imagens as perseguições a pessoas inocentes. E isso não é coisa de cinema, infelizmente: a multidão tranquila, em festa. Tiros, correria, perseguição. O homem sem pernas corre. A criança cai morta. O desespero no rosto da mãe. A criança morta e pisoteada. A fuga em massa. Os soldados avançam, armados. O carrinho de bebê desce desgovernado pela escadaria.

Uma escadaria que representa os degraus dos que sobem ao poder, totalitários, e os que descem, reprimidos pelo autoritarismo. Uma escadaria que simboliza o absurdo dos regimes que, em nome de uma ideologia, massacram inocentes. A sequência do massacre na escadaria de Odessa é uma obra-prima de Eisenstein, e nem por isso ele teve uma vida digna de seu talento. Fez várias outras grandes obras, mas teve sua produção "limitada" por governantes comunistas, e também não teve sorte ao tentar a vida nas terras capitalistas made by Eua. Morreu de ataque cardíaco, e eu imagino, de desgosto. Afinal, Eisenstein, mesmo simpatizante do marxismo, tinha atritos com o regime de Stalin, por defender a liberdade de expressão artística e a autonomia dos artistas.
Sentada em uma escadaria pichada em Porto Alegre, fico a imaginar se Eisenstein fosse filmar hoje O Encouraçado... dependeria do patrocínio de grandes bancos privados? Contaria com o apoio estatal? Não, não. Neste mundo em colapso de ideologias, de sistemas econômico e político, o espaço para a arte é a serventia da casa.

Que bom seria se uma escadaria fosse apenas uma escadaria. Para sentar, subir ou descer degraus. Mas as imagens eternizadas pela genialidade de Eisenstein servirão sempre para mostrar que, por causa dos absurdos que se fazem em nome de governos e ideologias, pela escadaria os inocentes com pernas e sem pernas correm. Morrem. Talvez muitos, como os bebês e as crianças, sem terem tido tempo de entender o sentido do absurdo.
Fiquem bem!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

blogs & diários

Queridos e queridas,

Eu li hoje que um dos grandes escritores contemporâneos, José Saramago, declarou ao Jornal Clarín que nos blogs, as pessoas vem escrevendo mais - e pior. Para o escritor português, muitas pessoas não sabem utilizar esse tipo de espaço disponível na internet, por não se preocuparem com a qualidade do que escrevem.
Eu acrescentaria outra palavra à declaração de Saramago: a utilidade de um blog. Por exemplo, o próprio escritor utiliza seu blog para publicar artigos que reuniu no livro Caderno de Saramago, o qual foi vetado na Itália pelo fanfarrão Silvio Berlusconi. De suas escrituras no blog será publicado um livro no próximo dia 25, em Lisboa, em um encontro com blogueiros e internautas.
O português nobel de literatura é o próprio exemplo de que qualidade literária e utilidade da internet como uma ferramenta educativa e cultural são não somente desejáveis, como plenamente realizáveis.

Há alguns anos, quando ainda não havia blog nem internet, havia o diário. O diário podia ser uma pequena caderneta, um bloco de anotações, pedaços reunidos de papel. O que se esperava de um diário não era a qualidade, mas a confidência. Sua única e primordial utilidade seria ser o silêncio, o guardador de segredos, o criado mudo, o melhor amigo.
Diferentemente de uma agenda, onde se registram compromissos, no diário se escreviam os segredos, os acontecimentos mais importantes, os registros da memória, os lapsos do insconsciente, os desejos mais escusos, as revelações mais íntimas. Sonhos, medos, fantasias. Quando a pessoa não cabia mais em si de tanta alegria, anotava seus sorrisos no diário. Quando a pessoa não continha mais em si tanta tristeza, anotava suas lágrimas no diário. Daí o uso de cadeados. Baús. Lugares para esconder o melhor amigo, o confidente, o guardador de segredos.
O oitavo pecado capital era a profanação do diário. Quem ousasse achar o esconderijo, quem se atrevesse a tirar o lacre do segredo, deveria ser banido da face da terra. Abrir um diário é o mesmo que escarafunchar a alma de alguém. Sem a sua permissão. Hoje, o blog convida e permite a socialização das dores e dos amores, do texto e do subtexto, do consciente e do inconsciente. É informativo, é terapêutico, é a qualidade, e é a falta de qualidade. É útil, ou é inútil. É o que o blogueiro quiser que seja.

Um dos meus livros de cabeceira é O Diário de Anne Frank. O livro que originou uma peça de teatro e o roteiro do filme dirigido por George Stevens, que recebeu três Oscars e indicações ao Globo de Ouro. Um filme que mostra as escrituras de uma menina de 13 anos que descobre no esconderijo de um sótão, nas agruras de uma guerra mundial, na tortura diária de ser discriminada e perseguida, que escrever é uma salvação.
Anne Frank conversava com Kitty, para quem escrevia sobre sua família, seus sonhos, seus medos. Para quem revelou o seu primeiro e grande amor. Para quem revelou sua inabalável confiança na vida. Anne Frank foi morta. Seu diário a imortaliza. E seu diário, hoje sob a forma de livro, de peça, de filme, divulgados em um blog, homenageiam e universalizam a sua imortalidade.
Abraços!

domingo, 21 de junho de 2009

Por uma vida menos ordinária

Queridos e queridas,

Estou de volta às minhas origens, mas alguma coisa mudou. Quando eu estava caminhando no bairro Glória, na cidade maravilhosa, vi um pequeno santuário em homenagem à Nossa Senhora Aparecida. E eu estava usando uma corrente que tem a sua imagem como pingente. Parei, mentalizei um pedido, uma reza, uma ajuda. Orientai os desorientados, eles não sabem o que fazem. Por um sentido na vida. Por uma vida menos ordinária.
Agora à noite lembrei-me de uma comédia, blargh, romântica, dirigida por Danny Boyle, Por uma vida menos ordinária (1997). A história é interessante, prende a atenção, e o que eu mais gostei neste filme, além da atuação do ator escocês Ewan McGregor, é o roteiro que mostra a intervenção de dois anjos, que não por vontade própria, mas por ordem do criador, precisam aproximar dois jovens, fazê-los se apaixonarem um pelo outro, caso contrário os anjos permanecerão na Terra, um local que está sendo infestado por divorciados.
Se os divórcios ocorrem pela vontade própria e pelo uso do livre arbítrio, como é possível fazer alguém a se apaixonar por um outro alguém? Talvez somente via intervenção divina. Mas no filme tudo é possível, e quem quiser saber como a história termina, eu recomendo que o assista.


Lembrei-me desta história porque todos nós passamos por situações de xeque-mate, ficamos em encruzilhadas, enroscamo-nos em situações ora complexas, ora tresloucadas, por conta de sentimentos, escolhas, ações e reações. No filme, há um tempo para começar a desenvolver o problema, e um tempo para terminar, seja com o happy end, seja com o sisudo the end. O filme termina, não necessariamente a história. Na vida real, não há filme, mas situações concretas que precisam de soluções concretas. O personagem interpretado por McGregor é um faxineiro que aspira ser um escritor. Na vida real, um faxineiro pode aspirar, e pode ser um escritor. Ficção e realidade às vezes passam por uma linha tênue, muito tênue de distanciamento. Mas no plano da realidade, às vezes não se vislumbra uma saída, uma resposta, uma solução. Aí sim, a vantagem do roteirista é inigualável. Ele faz nascer, faz morrer. Ele traz anjos para a terra. Ele leva vivos para o céu e os traz de volta no elevador. Ele viaja na maionese, pira na canequinha, e se fizer isso tudo com talento e técnica, terá criado uma nova história, original e talvez uma nova obra-prima do cinema.
Mas o que queremos mesmo é transformar a nossa vida em uma obra-prima. Amar ou não amar, ir ou não ir, mudar ou não mudar, casar ou separar, ficar ou não ficar, decidir ou não decidir, querer ou não querer... e assim vai. Se temos os anjos e a proteção divina, eu não sei. Acreditar que sim torna as pessoas menos angustiadas, mais esperançosas. O fato é que o cineasta inglês Danny Boyle, responsável por outros ótimos filmes como Trainspotting, A praia, e Cova Rasa (sem falar no oscarizado Slumdog Millionaire), tem uma veia arguta e ao mesmo tempo sarcástica de ver e transpor a realidade para a tela do cinema.
Eu tenho esta veia arguta e sarcástica ao ver e escrever filmes. Essa mesma argúcia e esse mesmo sarcasmo, quando lidam com a vida real, tem se mostrado um desastre. Eu quero, eu preciso, eu mereço, uma vida menos ordinária. Por via das dúvidas, uso o pingente, pedindo proteção. Por via das dúvidas, continuo reescrevendo minha própria história, na busca de um happy end. Mas, por via das dúvidas, estou pensando em sair de minhas origens. Quero ir morar no Rio de Janeiro.
Beijos!

sábado, 20 de junho de 2009

Focas e diplomas

Queridos e queridas,


Venho acompanhando, ainda que a distância, o debate e a decisão do STF acerca da não obrigatoriedade do diploma de jornalista. Ontem, o ministro Gilmar Mendes declarou que a decisão deve criar um modelo de desregulamentação das profissões que não exigem aporte científico e treinamento específico. Do outro lado, vários representantes de entidades ligadas à imprensa já se manifestaram contra a decisão do Supremo, e a favor da construção de uma lei que regulamente a profissão.
Eu percebo aí que além de ter uma formação sólida - conceitual, erudita, ética, técnica, o profissional do jornalismo é aquele que tem um idealismo próprio dos que vivem completamente imersos na realidade. Parece contraditório, mas não é. Ninguém sabe mais do que o jornalista que um fato é algo real e também imaginário, dependendo do enfoque, da perspectiva, do nível de honestidade consigo mesmo, para escrever, narrar, informar sobre o tal fato, a sua versão, a sua inversão, a sua omissão. Ou missão. Porque somente os jornalistas que sabem de seu compromisso com a busca da verdade, são verdadeiros jornalistas, e isso é algo que vai muito além de ter um diploma.


É profundamente lamentável constatar a existência de profissionais que tem diploma e não tem emprego. De profissionais que tem diploma, emprego e que não fazem jornalismo, fazem de conta que fazem jornalismo, com linhas e pautas e matérias sensacionalistas, marqueteiras, dirigidas conforme os interesses de quem os contrata.

Mais lamentável ainda é saber que existem jornalistas que sabem do significado e do simbolismo do Quarto Poder, mas que ainda assim acham que tudo o que existe, existe porque saiu no jornal.
O filme Intrigas de Estado é um bom momento de reflexão sobre os rumos do jornalismo, seja do ponto de vista ético, seja tecnológico, no qual os meios virtuais como notícias on line e em blogs parecem suplantar gradativamente os jornais impressos. Os jornalistas ainda estão atrás de uma boa matéria? O público quer ler grandes matérias? Os futuros jornalistas ou focas estão dispostos a tudo pela busca da verdade? Intrigas de Estado mostra que para se fazer uma boa reportagem é necessário quebrar algumas regras.
Quem não arriscar, não ousar, não levar até às últimas consequências, pode até ter um diploma, mas nunca será um jornalista.
Fiquem bem!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

As pimentas, a família e a humanidade

Queridos e queridas,

Assim caminha a humanidade é um épico sobre os conflitos que envolvem três gerações de famílias do Texas. O drama, realizado em 1956, tem a direção de George Stevens, e a participação brilhante de James Dean. O oscarizado filme mostra as disputas econômicas, amorosas e discriminações raciais que irão modificar completamente a vida dessas famílias.
Eu lembro hoje deste filme porque é uma das grandes referências no cinema, e também porque embora esta produção seja da década de 50 do século passado, refere-se a um tema que perpassa as décadas e os séculos - as relações familiares.

O que significa a palavra família e mais especificamente qual é o sentido de se constituir uma família. Há uma imagem sacralizada e idealizada do que seja ou do que deva ser uma família, obviamente bem estruturada, com relações sadias e amorosas entre seus membros.
Na verdade, família é algo muito mais amplo, abrangente, complexo. Parte-se de laços de sangue, mas não se prende a eles. Os pais, pai e mãe, são os geradores dos filhos, mas não são seus proprietários. Os irmãos são irmãos porque nasceram dos mesmos pais, o que não significa que necessariamente serão os melhores amigos. Nem sempre uma mãe é uma boa mãe, nem sempre um pai é presente, nem sempre um filho ou uma filha dá valor ao que lhe é feito.

Hoje, quando fui na feira, perguntei ao senhor nordestino que me atendia quais eram os nomes das pimentas que eu estava comprando. Eram várias e exóticas, e eu quis comprar para presentear minha filha que trabalha com gastronomia.
Além de me dizer os nomes, ele me explicava a origem de cada uma. E depois ele complementou, dizendo, tudo tem uma origem, toda mulher tem origem, todo homem tem origem, todo animal tem origem. É verdade. Isto vale para as pessoas, os animais e as pimentas. Mas nossas origens não definem nossas ações, nosso caráter, nossas escolhas. Não existe determinismo, existe liberdade de escolha. Não se é pai, se transforma em pai, não se é mãe, se experiencia a maternidade, não se é filho, se filia a um amor materno, paterno e fraterno.

Isto vale também para as relações entre as pessoas de um modo geral. A gente não determina racionalmente nossos amores. A gente ama. A gente sofre. A gente escolhe. A gente é ou não é escolhido. Os conflitos, as discriminações e as disputas acontecem na e fora da família. Repensar o significado de uma família neste século, nesta década, é compreender que não devemos mais nos prender a fórmulas que não existem, a padrões que não funcionam, a dogmas que não se sustentam.
Podemos ter filhos, amá-los sem necessariamente amar seu pai. Podemos ser amados por nossos filhos sem que eles necessariamente tenham sido gerados biologicamente por nós. Podemos amar nossos irmãos independentemente de suas escolhas sexuais. Podemos ser amados apesar de não termos sido amados. Podemos ter uma família composta por nossos amigos, nossos verdadeiros laços de afeto. Podemos e devemos todos ter uma segunda chance. Uma terceira, quantas forem necessárias, em busca da felicidade. Assim deve, ao meu ver, caminhar a humanidade.
Fiquem bem!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O Capsulão e o tempo que passa rápido demais

Queridos e queridas,

São quase quatro horas da manhã, e eu poderia ficar acordada direto. Preciso dormir porque o corpo reclama, a saúde agradece. Mas eu fico me perguntando se posso me dar o luxo de ir dormir se faltam algumas horas para eu voltar para Porto Alegre. Preciso aproveitar ao máximo este tempo, porque como cantou Cazuza, o tempo não pára. Se eu pudesse, sairia agora para perambular pelas ruas estreitas da Lapa, onde a vida pulsa 24 horas sem parar. Iria subir e descer os degraus da escadaria de mosaico e trocar uma prosa com Selarón, ou ficaria estendida na areia do Aterro do Flamengo contemplando a lua, as estrelas, seria testemunha ocular da troca de plantão, quando o sol volta a irradiar os corpos e as mentes dos que podem desfrutar de um pouco de paraíso.


Onde fica mesmo o paraíso: eu diria, dentro de nós. Nas memórias que guardamos dos bons momentos que passamos, dos lugares que fotografamos em nossas mentes onde nos divertimos, sorrimos, compartilhamos situações que deixarão lembranças, histórias que contaremos mais adiante, que nos farão sorrir sozinhos.


Nossa vida passa na tela do universo como um filme. Tem tempo marcado, para começar e para terminar. Acontece que nós não ficamos sabendo com antecedência como e quando será este final. Diferentemente da obra de Elias Canetti, quando o Capsulão decide quando vai chamar alguém para o reino dos mortos. Nós carregamos uma corrente com uma cápsula em nosso pescoço, só que ela é imaginária. Mesmo que a gente queira abrir a cápsula para ler o que está ali dentro, não conseguiremos. E se um e apenas um conseguir abrir, se frustrará com a descoberta. Porque não há nada escrito ali. O capsulão de Canetti engana todo mundo. Ninguém sabe porque não há nada para saber. Portanto, o que nos resta, reles mortais, é nos darmos conta de que a vida que conhecemos, esta aqui mesmo, é para ser aproveitada ao máximo, porque ela passa tão rápido, mas tão rápido, que ou a gente faz tudo numa correria desenfreada, no gênero ação e suspense, como no filme Tempo Esgotado (dirigido por John Badham), ou a gente faz em câmera lenta, para fazer render mais tempo, o tempo que der.
O tempo passa, tudo está em constante movimento, por isso, cada segundo perdido é um desperdício incalculável, é como cortar um minuto de uma cena, e perder o fio da meada da história. Não dá tempo. Viver é fazer o que se quer, aqui e agora. Afinal, como muito bem retratou Canetti, nós somos os que tem a hora marcada. Mas diferentemente de seus personagens, nós não temos uma existência programada, nós temos o livre arbítrio. Será um peso, será um fardo a liberdade...
Fiquem bem!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Asas do desejo

Queridos e queridas,

Estou muito sentimental hoje. Melhor dizendo, mais sentimental do que de costume. Estou como um anjo com uma asa voadora e uma asa cortada. No avião, eu contemplava da janelinha a asa dantesca e poderosa que acolhia muitas nuvens brancas, brancas. Lembrei-me dos algodões doces que em minha imaginação eu havia jogado para o alto, no outro dia. Nunca pensei que fossem tão longe, e que de mim, naquele momento, estivessem tão perto! O comandante anunciava que estávamos sobrevoando a Baia de Guanabara, um aperitivo do que estava por vir. Em seguida eu chegava no Aeroporto Santos Dumont, sem antes deixar de contemplar pela janelinha os prédios históricos que anunciavam a chegada na cidade maravilhosa.
Cada vez que venho ao Rio de Janeiro deixo um pouco de meu rastro. Não sei explicar. Há algo de misterioso nesta cidade. Vejam, as pessoas são mais light, e quem é- amigo-de-meu-amigo-já -passa-a-ser amigo-meu. Assim mesmo.

Minha querida amiga gaúcha Adriana é a anfitriã carioca mais maravilhosa que já tive. Estou ficando mal acostumada, quero voltar para cá e ainda nem fui embora.
Eu vim pela primeira vez quando meu filho era pequeno. Eu participava de um curso de ética na UFRJ. Anos mais tarde, vim a trabalho, em um congresso sobre rádio cultural. Daí voltei para ver Radiohead. Foi a minha viagem mais louca, depois de quase ter sido presa em Paris por não saber me comunicar em francês, mas essa história fica para outro dia.

Eu tinha dois ingressos para o show do Radiohead. Radiohead é como o Rio de Janeiro, pura emoção. O que eu penso, o que eu sinto, o que eu choro, o que eu amo, está tudo ali.

Eu vim sozinha, não era para estudar, nem era para trabalhar. Era para ser algo que não foi, e eu olhava para os ingressos como se fossem bilhetes de um filme que eu não iria mais assistir.
Adriana, a minha amiga gaúcha mais carioca de todas que conheci, foi comigo no show. E foi comigo pela Lapa, e me levou a tantos e a tantos lugares em dois dias que fiquei com uma overdose carioca. Até visitar um sobrado que estava para alugar eu fui. Rua do Lavradio. Eu já devo ter morado nessa rua, em outra encarnação.

Quando preciso me recompor, me reestruturar, nada como um bom filme, nada como uma boa música, nada como um bom lugar. Wenders, Radiohead e Rio de Janeiro. Nada como bons amigos, aqueles que nos espreitam, nos abraçam, como os anjos de Wim Wenders. Tão longe, tão perto. Uns em Porto Alegre, outros no Rio, outros em algum lugar que eu não vejo. Talvez lá, junto com as nuvens de algodão. Talvez sentados na asa do avião.

E eu, com uma asa que voa para o Rio, e que insiste em aqui pousar. E uma asa cortada em minhas origens, e na minha história, que sabe-se lá para onde vai ir, ou como vai ficar.
Voem!

terça-feira, 16 de junho de 2009

Cidade de Deus e dos homens

Queridos e queridas,

Viajo em algumas horas. Vou para a cidade de Deus. Lá onde o Cristo Redentor abraça todos, indistintamente. Claro que há a zona sul, a baixada, Manguinhos, Gávea, a Lapa, o Leme, e há aquele chiado charmoso inconfundível. O Rio de Janeiro é machadiano, é a história do Brasil narrada em sua arquitetura, em suas ruas estreitas, nos azulejos de Selaron, nas fachadas dos casarios da rua Lavradio, é a história do Brasil glamourizada nos shopping centers onde só se fala em inglês, nas carinhas globais da cidade cenográfica com as quais nos deparamos de repente. E é a história do Brasil mostrada em cada esquina, sinaleira, com o povo correndo para mais um dia de trabalho, com o povo correndo para mais uma cervejinha, um sol na cara, um volei de praia, um papo cabeça no teatro, uma nova peça, um filme, um show. Tem de tudo. Tem para todos. Menos para quem não tem nada. Assim é na cidade de Deus, ou assim é na cidade dos homens?
A favela carioca Cidade de Deus, considerada um dos locais mais violentos do Rio de Janeiro, é o universo no qual o diretor Fernando Meirelles realizou Cidade de Deus, filme que recebeu quatro indicações ao Oscar, e que mostra o jovem Buscapé, pobre e negro que faz uma radiografia da violência a partir das imagens que capta em suas fotografias. Cidade de Deus foi escolhido como o quarto melhor filme estrangeiro da década pela revista Paste, em uma relação de 25 obras essenciais, não norte-americanas, e produzidas a partir de 2000.
Esta é uma forma de reconhecimento internacional de uma obra brasileira feita com indiscutível qualidade. E que trata de um tema atual e emergente em nosso país. Na cidade maravilhosa, berço de Deus, a violência social e institucional alastra-se tentacularmente, sem políticas públicas que dêem conta da gravidade da situação. Se é verdade que o sol nasceu para todos, também é verdade que ele brilha menos, bem menos, nas favelas cariocas, nas favelas de todos os cantos do Brasil.

João Moreira Salles esteve nesta semana em Porto Alegre, para um debate sobre outra grande obra, dirigida por ele e Katia Lund, Notícias de uma guerra particular (1999). O filme também aborda a questão da violência, do tráfico, da criminalidade. Mas o que me tocou em especial foi a declaração do cineasta de que passados dez anos da realização deste documentário, nos quais vários outros filmes foram feitos sobre o tema - inclua-se Tropa de Elite, estrondoso sucesso de público - e o problema da violência permanece igual, ou seja, denunciar em imagens a questão da violência não tem ajudado a evitar que ela não somente continue, como cresça. Além do que se evidencia que pouco, muito pouco, tem sido feito de forma eficaz para combatê-la. Essa banalização da violência pode incorrer na banalização do olhar cinematográfico sobre a violência. Para Salles, radicalizar no cinema brasileiro hoje seria fazer uma história de amor.

Até porque, com amor, não há violência.
Amem!

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Oráculos e Enigmas

Queridos e queridas,

Eu estava olhando para a palma de minha mão esquerda. A queimadura está começando a cicatrizar, até que enfim. Pensei tanto nas consequências, que quase havia esquecido da causa. Sobrenatural? Acidental? Fatal? Pode ter outra explicação também. Chama-se Eros. Na mitologia grega, ele nasceu do ovo primordial, que dividido em duas metades, criou o céu e a terra. Para os poetas alexandrinos, Eros, aquela criança alada com cara maldosa, passa o tempo dando flechadas e queimando com suas tochas. Fui queimada por Eros, aquele anjinho inocente que, por ser um deus poderoso, fere, fere cruelmente.
Procuro conselhos em vários oráculos. Cada um diz uma coisa. Resolvo ligar para uns mestres meus e proponho uma reunião com eles todos, vamos fazer uma espécie de audiência pública, mas daquelas em que se sai com uma solução. Eles aceitam. Platão reclama um pouco, diz que a idade está pesando, mas como eu prometo que depois o levarei para conhecer os banquetes do Studio Clio, ele me diz Tô nessa! Platão chegou primeiro. Começamos a conversar. Ele olha bem dentro dos meus olhos, e diz:
Na obra A República, o amor causado pela interferência de Eros atiça os sentidos todos, leva os seres a serem tiranizados por suas paixões. Eros é o tema central de O Banquete, e mais do que um jogo, é a busca pelo belo, pelo justo, pelo verdadeiro. É um amoroso delírio, pois. Da força de Eros emerge o tirano. Os desejos terríveis, no território fora-da-lei, o monstro selvagem. Temos o nosso lado humano, racional, e o nosso lado endemoniado.

Eu pergunto: Onde está a luz a nos conduzir de lanterninha para sairmos da caverna?
Platão, até então sentado confortavelmente em uma cadeira de balanço, levanta-se. Faz pose de orador e desanda a falar, olhando para o teto, para o alto, para todos os tempos:

"O que é o amor? Nem belo, nem feio, nem pobre nem rico, nem sábio, nem ignorante, nem mortal, nem imortal, nem homem, nem deus. O amor é um daimon, um gênio que serve de mediador entre os homens e os deuses. Sempre acompanha Afrodite porque foi concebido na festa divina em honra a essa deusa. Pelo lado paterno é astuto, sofista, filósofo e caçador; pelo lado da mãe de tudo carece. Longe de ser um deus poderoso é uma força perpetuamente insatisfeita e inquieta. O Eros tirânico nos escraviza, o amor platônico é libertador. Porque busca a verdade."

E como eu curo essa ferida que ainda sangra?, pergunto eu, já sem muita convicção, boquiaberta com a tranquilidade com a qual o mestre desandara a falar de coisas tão complicadas.
Nessa hora, Sócrates chega. Ele me estende, silenciosamente, um livro e um DVD. O amor nos tempos do cólera. Uma obra-prima escrita por Gabriel Garcia-Marquez, e que foi levada ao cinema pelo cineasta Mike Newell. Um homem (Javier Bardem) e uma mulher se apaixonam, mas ela casa com outro homem, e somente após cinquenta anos, eles retomam uma relação mal resolvida, uma paixão não consumida.
Eu quase me irrito com Sócrates. Estou farta de enigmas. Olho bem para ele, achando que é Voltaire. Mas ele me olha bem firme, quieto. Pego ou não pego o livro e o DVD? Vou esperar a chegada do meu amigo Freud.
Sejam felizes!

domingo, 14 de junho de 2009

O sol, a chuva e o plástico voador

Queridos e queridas,

O sol voltou a me visitar hoje, mas parece que amanhã vai embora cedo, sorrateiramente. Isto porque a chuva deve voltar, e eu não sei porque, mas eles não se conversam. Eu gosto das duas visitas. Primeiro, porque são muito mais do que visitas, são da casa, são indispensáveis. Claro que há visitas indesejáveis, daquelas que se deveria colocar uma vassoura atrás da porta para irem embora logo. Refiro-me ao vento, e ao temporal. Não gosto mesmo. Eu tenho dois que não são e nunca foram visitantes, são meus guarda-costas. Tem residência fixa comigo. Onde quer que eu vá, eles vão junto. O tempo e o ar. Confesso que houve alguns momentos, lampejos de desespero e loucura, nos quais pensei em dispensar os seus serviços. Até porque não pago por eles. Pago iptu, serviços de luz, água, telefonia, internet, tv a cabo, ai, ai, e por aí vai. Mas o tempo e o ar ficam juntos, discretíssimos. Um dia, quando eu menos esperar, eles passarão, e eu passarinho, parafraseando Quintana.
Eu adoro visitas. Quando as recebo, procuro tratá-las da melhor forma, recebê-las com carinho, com afeto. Porque sozinhos não somos ninguém. Por isso, quando o raio de sol vai entrando nos meus poros e aquecendo a minha pele, e quando os pingos de chuva vão chegando para eu ter um sono com direito a uma trilha sonora original, eu me dou conta de que temos em volta de nós verdadeiros amigos, aqueles que generosamente se fazem presentes, mesmo quando não damos por conta a presença deles. Aqueles que nos fazem bem, e tantas vezes só percebemos quando eles deixam de aparecer.
O que seria de nossa vida sem o sol, a água, a lua, as estrelas, as nuvens? Sem o arco-íris, uma visita tão especial... Provavelmente muitos se dariam conta somente se todos fossem embora, todos, levados pelo vento forte, inundados por um furioso temporal.

Hoje eu estava caminhando na beira do Guaíba. Como é domingo, e como tinha sol, centenas de pessoas disputavam espaços no calçadão para namorar, tomar chimarrão, passear com a família, com os cães de estimação. Eu olhava para todos, olhava para ninguém. Pensava em quantos ali se davam conta de que esse santuário natural não é um cartão postal para um "momento kodak", como aquela tirada sarcástica no filme Beleza Americana, no qual um casal em franca derrocada troca os pés pelas mãos e a hipócrita aparência some pelo ralo da verdade.

A verdade que eu via hoje no anônimo vendedor de algodão doce. Fui, voltei, e lá estava o homem carregando um monte de algodão doce. Por um momento, tive vontade de estar no lugar dele, ou de pegar os algodões dele e caminhar assim, para aparentar ter um sentido no que eu estava fazendo. Eu estava caminhando, mas me sentia como um cão que dá volta para tentar alcançar o próprio rabo.
O britânico Sam Mendes estreou no cinema com American Beauty, em 1999, apesar de ter grande experiência no teatro. O filme ganhou cinco Oscars e três Globos de Ouro. E nós ganhamos o trabalho de um cineasta que tem a sensibilidade e a argúcia de filmar o vazio, transpor para imagens conflitos existenciais que tantas vezes são retratados de forma caricata, ou clichê, ou superficial. Uma das cenas que eu mais gosto:Era apenas um saco plástico. Um saco plástico voando, e com ele voava a liberdade.

Eu pegaria aquele monte de algodão doce, e soltaria tudo, como balões, livres, leves e soltos.

Voem!

sábado, 13 de junho de 2009

Luz e paz

Queridos e queridas,

Morrer é o epílogo da vida. Para quem acredita em vida após a morte, morrer é apenas mais um capítulo, um parágrafo único. Neste sábado, Frei Rovílio Costa morreu. E já foi velado e enterrado. Soube pelo jornal. Como editora do jornal eletrônico da FACED, às vezes eu preciso comunicar o falecimento de algum servidor ou familiar. Frei Rovílio sempre lia as mensagens, e nestas, em especial, sempre enviava um e-mail com palavras de conforto espiritual aos familiares que perderam alguém que lhes era querido.

Hoje eu tive que enviar um comunicado de falecimento, pensando que Frei Rovílio não me responderá mais por e-mail. Nem atenderá gentilmente convites, como quando eu produzi uma série sobre a Faculdade de Educação nos tempos da ditadura, e lá estava Frei Rovílio, sorridente, piadista, com uma longa prosa sobre sua vida dedicada aos livros, à educação, e ao auxílio a pessoas carentes e em situação vulnerável. Frei Rovílio, que foi professor, editor, escritor, patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, foi também agente penitenciário. Descobri naquela entrevista. Descobri que ele não fazia discurso sobre a educação; ele educava diariamente através de sua postura, seu pensamento crítico, e seu engajamento social.
A morte de Frei Rovílio me fez lembrar também da recente perda do professor Hugo Otto Beyer, em um acidente aéreo. Poucos dias antes dele morrer, estávamos combinando uma entrevista sobre o Programa Incluir, coordenado por ele, sobre a Educação Especial, dedicada às pessoas com deficiência. Ele estava contente, porque a Universidade receberia equipamentos para serem utilizados por estudantes cegos. Até hoje permanece em minha caixa de e-mails nossa última mensagem trocada, da entrevista que não houve.

O parágrafo único, ou o epílogo, impede que exista um amanhã. Tudo o que iríamos fazer depois, o que resolveríamos mais adiante, o que empurraríamos com a barriga, o que gostaríamos de ter dito, ter desdito, ter feito, ter desfeito.
A morte é, ainda assim, uma presença. A ausência daquele que parte, a lacuna que nos deixa, com uma gaveta com seus objetos que não queremos mais tocar, com seu armário que não queremos mais abrir, com sua risada que não suportamos mais não ouvir. Viver é procurar momentos de felicidade, apesar dos vincos que as perdas deixam na memória e na história de vida de cada um.
No filme Palermo Shooting, de Wim Wenders, a morte é uma figura encapuzada (Denis Hopper) que aparece na vida de um fotógrafo que procura respostas metafísicas enquanto viaja por Palermo. Em uma entrevista, Wim Wenders declarou que quando estava na Itália, abriu o jornal pela manhã e soube que Ingrid Bergman tinha morrido. Na manhã seguinte, soube que o cineasta Michelangelo Antonioni também morrera. Ambos em 30 de julho de 2007. Naquele dia, o cineasta alemão decidiu que faria este filme em memória a estes dois grandes nomes do cinema. Na cidade de Palermo, os moradores cultivam a tradição de celebrar com a "festa da morte". "Sempre me impressionou também que pessoas que estiveram muito próximas de morrer não falam exatamente com terror disso, mas comentam sobre uma luz e uma paz", falou Wenders.
Em memória ao Frei Rovílio, desejando luz e paz.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

As caras-metades, os inabaláveis e os românticos

Queridos e queridas,

O dia dos namorados é tema de diversos filmes. Particularmente, acho essas histórias muito rasas, essas comédias românticas que têm em comum a busca da cara metade. O dia dos namorados tem sido cada vez mais prestigiado pela mídia e pelo comércio, rende anúncios, vendas de flores, chocolates, roupas, perfumes e tudo o que em tese agrade a cara metade. Reza a lenda que nesse dia motéis e restaurantes ficam hiperlotados, com filas bombando e reservas antecipadas. Tem gente que até conseguir lugar na mesa ou na cama já noivou, casou e até separou. A cara metade fica cada vez mais cara, cada vez menos metade.

Filmes como Harry e Sally, feitos um para o outro, e Bridget Jones, mostram que para conseguir a cara metade é preciso lutar muito. Na ficção, por exemplo, a mocinha gordinha é disputada por um playboy sedutor e por um diplomata exemplar.
No dia dos namorados as caras metades podem ver um clássico como Casablanca, juntinhos sob um cobertor, e se emocionarem, felizes e abraçados, exclamando que "Sempre teremos Paris!" As caras metades podem e devem também consumar um beijo de tirar o fôlego, como o de Clark Gable e Vivien Leigh em E o vento levou.

O dia dos namorados, também chamado de dia universal da dor-de-cotovelo, não é dia para rompimentos, discutir a relação, pedir a separação. É um dia sagrado. Reza outra lenda que nesse dia, os sem-cara-metade andam disfarçados, comprando rosas, para fingir que ganharam, olhando vitrines, para fingir que escolherão o presente, vestindo-se impecavelmente, fingindo que estão indo para um lindo encontro. Quem for flagrado sozinho, numa mesa de bar, quem fizer reserva para um em um quarto de hotel, ou quem pedir telentrega para não ser humilhado publicamente em um restaurante, guardará um grande trauma para o resto de sua vida. Se sentirá sem um braço, uma perna, sem a cabeça. Com um buraco no coração.

Tem gente que comemora porque oficializaram esse dia. Nos demais, tudo volta para a pasmaceira. Tem gente que comemora porque realmente tem por quem comemorar. Tem gente que comemora brindando sozinho, e depois telefona para o melhor amigo, que por ser o melhor amigo, vai ouvir pacientemente suas lamentações, mesmo sendo em pleno dia dos namorados.

Tem os inabaláveis. Esses não dão a mínima para a data. São os homens que desdenham as mulheres, são as mulheres que não precisam dos homens, é a geração autosuficiente. Ficam quando querem, com quem querem. Esses tem uma pedreira no coração. Mas vedam, parece que é com Vedacit. Não sei se funciona.

O grande perigo, no dia dos namorados, e em outras datas que inventaram para complicar a vida desta categoria, como Natal e Ano Novo, é para os românticos. Essa é a pior espécie. Em extinção. Ao longo da história sempre foram olhados de lado. No fundo são invejados. Mas ninguém tem coragem de admitir. Ser romântico é ser careta, cafona, demodê, out.

Amar é sublime, mas as pessoas se envergonham de amar. No entanto, choram vendo filmes de amor. Acompanham os conflitos dos personagens, como a saga de Scarlet O'Hara e sua relação de amor e ódio com Rett Butler, e o amor impossível de Rick e Ilsa (Humphrey Bogart e Ingrid Bergman), as caras metades mais perfeitas que já vi no cinema.
Nesta noite úmida, chuvosa e insone, abrirei uma pequena garrafa de vinho, assistirei novamente Casablanca. Não comprei presente, não olhei vitrines, não me dei uma rosa. Não pedi telentrega, nem liguei para o meu melhor amigo. Ele é comprometido, e eu não queria estragar a noite dele. Estou sozinha, mas quando se ama alguém, nunca se está só.

Amem e sonhem!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

House e o medo de amar

Queridos e queridas,
Vi o último espisódio da quinta temporada de House. Espetacular. Eu gostaria de destacar especialmente o roteiro e a interpretação do protagonista, Hugh Laurie. O roteiro, porque esta série tem aqueles elementos que faltam em 99% das séries de televisão, e em 100% de novelas produzidas aqui no Brasil: o roteiro não subestima a inteligência do telespectador. A história é construída de forma engenhosa, com elementos de dramaticidade com os quais é impossível não se identificar, não reagir.
A história gira em torno de um personagem que é o centro do filme, da série, do Universo e de si mesmo, o doutor Gregory House. O elenco, a produção, o mundo não são os mesmos sem contar com a presença dele, com seus olhares que ora excitam ora fazem a gente chorar. Com suas tiradas sarcásticas, perversas, cruas, arrogantes, imprevisíveis. Com sua inquietude, seu espírito investigativo, seu ceticismo, seu trauma de se relacionar com as pessoas, seu pavor de amar e de ser amado.
House é um dos melhores personagens já construídos e interpretados, e Hugh Laurie, multi-premiado por sua atuação, é um dos melhores atores da atualidade. É um dos poucos que transmitem sentimentos e pensamentos pelo uso da linguagem corporal, da profundidade do olhar, da economia do sorriso, da sisudez que revela um garoto com baixa auto-estima que sofre como um adulto genial que não sabe lidar com isso: a solidão.
Todos admiram e quase todos invejam House, o médico genial. Mas ninguém suporta a sua pessoa, quase ninguém quer ser como ele, que transborda amargura por todos os poros. Ele não usa jaleco, ele se droga para evitar a dor, ele corre de moto com sua perna manca, coleciona bengalas com enfeites de rock, toca piano, guitarra e recomenda aos pacientes que escutem mais Led Zeppelin. O homem ferve por dentro e é uma geleira por fora.

Tudo o que ele precisa, é de um abraço.

Em cinco temporadas, os roteiristas conseguiram fazer House se desvencilhar dos abraços. As suas palavras agridem, os seus olhares afastam. E ele continua a se drogar para aliviar a dor. Um médico que diagnostica e salva vidas, obcecado por decifrar enigmas, perguntas, hipóteses, por se meter e dar palpites na vida de todo mundo. E que não consegue se olhar por mais de dois segundos em seu próprio espelho. Não consegue prescrever uma receita para si mesmo que não seja Vicodin. Criador da frase "Everybody lies", House fala para sua equipe, seus pacientes, seus espectadores e para si mesmo, que mentimos porque a verdade dói.
Todos temos um pouco de House em nós. Por isso muitos não gostam dele, e pelo mesmo motivo muitos se fascinam por ele. Porque muitas vezes sorrimos quando estamos a chorar por dentro; dizemos adeus quando queríamos dizer eu te amo; viramos às costas porque não sabemos lidar de frente.
Aguardo desde já o começo da próxima temporada. E sobre isso, a vida do personagem House tem uma grande vantagem, já que nós não vivemos nossos problemas e dilemas por temporadas. Somos autores e protagonistas de nossas vidas. E tudo o que queremos, para nós e para House, é que em uma próxima temporada, o final seja feliz.

Sejam felizes!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Correndo de si mesmo

Queridos e queridas,
Estou exausta, com um pouco de sentimento de culpa e um outro pouco de sentimento de dever cumprido. Culpada porque não tenho conseguido dar conta de algumas coisas para poder dar conta de outras. Deixei meus filhos me esperando, avisei que eu ia me atrasar, daí eles resolveram o meu problema, cancelando nosso programa. Eles tiveram a coragem que eu não tive. Eu queria estar em dois, às vezes em três lugares ao mesmo tempo. Mas se eu tivesse essa chance, certamente desejaria estar em quatro ou quatrocentos.

Não olho mais para a minha palma da mão esquerda. Não voltei ao Centro Espírita. Não joguei mais tarô. Não olho mais meu horóscopo nas dezenas de sites e oráculos e sinastrias e mapas astrais. Não sei ao certo qual é o meu anjo da guarda, orixá, rezo uma vela para cada santo. Sou crente e descrente, estou no céu e no inferno, mais precisamente no limbo. Corro para lá e para cá. Como Forrest Gump (filme de 1994 dirigido por Robert Zemeckis). Corro para avançar, corro para fugir de meus fantasmas, corro para não ser capturada pela minha sombra.

Anoto tudo na agenda, nas folhas avulsas, na ponta de um papel, que obviamente não acho na hora em que preciso. Armazeno na memória e em uma pasta cada nova atividade, para cada novo edital.
Jurei para mim mesma que depois da minha última - agora, melhor dizendo, penúltima - inscrição em um concurso, eu nunca mais iria correr feito louca, gastar o que não tenho, para preencher formulários, tirar fotografias, xerox de documentos que remontam à minha pré-história, autenticar tantos outros que remetem a minha primeira geração de primatas. Jurei também que incomodaria bem menos os meus amigos, aquelas pessoas simplesmente maravilhosas que me quebram galhos e troncos de pau-brasil, fazendo cartas de recomendação, atestados, arte gráfica, telefonemas, orçamentos, passando arquivos para pdf, trocando cartuchos, copiando Dvds, fazendo curriculum lattes, me dando apoio moral, me ouvindo, pacientemente me ouvindo. São meus ombros largos e que me abraçam, mesmo sem saber. São os meus queridos anjos da guarda, a quem não preciso nomear, porque os que aqui lêem, sabem quem são.

Hoje saboreei uma nova correria, uma nova descarga de adrenalina, eu e meu amigo e parceiro de produção Mauro Souza, nos divertimos competindo, observados pela minha amiga e esposa do Mauro, Jacqueline. Lado a lado, cada um em um computador, queríamos ver quem conseguiria fazer primeiro a inscrição de nosso próprio vídeo. Como ele é uma pessoa generosa e iluminada, copiou o vídeo, transferiu para uma pasta onde eu pudesse buscar e fazer o upload. Nesse interim (achei o momento para usar essa palavra) eu corri no teclado que nem no dia em que cheguei na agência de Correios faltando um segundo para fechar as portas. Inscrevi antes dele. Risadas, mas enquanto eu sorria, minha sombra corria atrás de mim para me lembrar de outras correrias, outros vídeos, outros momentos que marcaram muito minha vida. Eu, minha sombra e minhas lembranças. Preciso fazer uma lobotomia.
Amo meus filhos da forma mais linda e mais pura que se pode amar. E porque eles sabem disso, eles me compreendem e entendem as loucuras que se faz quando se luta pelo que e por quem se gosta. Cheguei em casa, com as olheiras no chão, com um jeito desajeitado, mas feliz com mais um vídeo pronto. Eles me aguardavam com um camarão empanado, preparado por eles. Sorriam para mim. Vimos o vídeo juntos.


Então, estou pronta para mais uma correria. Sou maratonista em persistência e idealismo. Hoje foi a última vez. A última vez até o próximo edital.
Bom feriado!

terça-feira, 9 de junho de 2009

Plano B

Queridos e queridas,

Pensem em uma existência normalzinha, sem altos e baixos, vivendo no anonimato, em um círculo pequeno de familiares, amigos, conhecidos. Uma vida com baixo orçamento, sem grandes ambições, sem muitas perspectivas, mas também com risco quase zero. Não cresce, nem encolhe. Não vai pra frente, mas também não vem pra trás. Empaca em uma mesmice modorrenta, que já está me cansando só de escrever, imagine então para quem estiver vivendo nestas condições.

Agora, imagina uma outra alternativa. Eu chamo isso de Plano B. Ousar, arriscar, é coisa para uns, não para todos. Na vida e no cinema. Quem segue mais ou menos um mesmo esquema, uma fórmula, uma linha, nunca chegará a ser grande coisa, mas também não será rotulado como a pior pessoa de todas as épocas, ou o pior cineasta de todos os tempos.

Pois o cineasta norte-americano Ed Wood foi. Foi o que? Ousado. Inventivo. Original. Foi ele mesmo. Foi o pior. Resolveu fazer cinema tosco, fazer com o que tinha em mãos e na mente, com improvisações, com parcos recursos de orçamento e de técnica, mas nada foi motivo para impedi-lo de filmar. Hoje é cult, outrora era trash. Trash é cult? O que é trash? Se não ser famoso, reconhecido, não utilizar de super efeitos, ou não arrecadar grandes bilheterias e arrastar um grande público é ser trash, então... Ed Wood foi. Original, criou personagens estranhos, trabalhou com atores fantásticos, como Bela Lugosi, e trouxe para as telas vampiros, monstros, alienígenas e mortos-vivos. Humor peculiar, edwoodiano.

O desafio dos cineastas hoje é fazerem com competência o que Ed Wood fez há muito tempo atrás: ser inventivo, original, e trabalhar com minguados ou quase nenhum recurso orçamentário, com as equipes, os equipamentos e as tecnologias disponíveis, com sabedoria e criatividade para reaproveitamento de materiais. Se os cineastas, contudo, tiverem pretensões hollywoodianas, o caminho não é este. Não mesmo. Daí os filmes precisam: agradar o grande público, penetrar os grandes circuitos, e serem aceitos pelos grandes produtores, que têm cifras no lugar de olhos.

O pior filme de todos os tempos chama-se Plan 9 From Outer Space. Os alienígenas trazem os mortos para dominar os vivos, para impedir a destruição do sistema solar pela bomba solobonite. Segundo a cabeça doida de Ed Wood e dos extraterrestres, o homem desenvolveria essa bomba em um futuro próximo, e dessa forma ameaçaria a vida em todos os planetas. Os críticos de Ed Wood não sabiam que haveria um Onze de Setembro, e que George W. Bush governaria os EUA.

A merecida homenagem ao cineasta e ao cinema foi feita por Tim Burton e por Johnny Depp, em Ed Wood, o filme (1994). Para quem gosta de cinema, e acredita que é possível fazer a sétima arte apesar de Hollywood, e para quem não quer viver aquela vidinha modorrenta, existe o Plano B.


Fiquem bem!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Filosofar e pensar

Queridos e queridas,

Eu estava pensando sobre como terminaria uma nova história, um novo roteiro. Eu simplesmente adoro isso. Fiquei o final de semana imaginando várias possibilidades. Cheguei a três finais. Um romântico, um cômico, um lúdico. Dei um nó em mim mesma. Não sabia qual escolher. Eu gosto do que crio, eu me envolvo de tal forma que cada personagem se impõe diante de mim, argumenta a favor de sua permanência na cena. Não é fácil para mim dizer "Você está demitido!", ou "Foi tudo bem, qualquer coisa eu te ligo!". Eu não digo nada. Procuro uma nova idéia. E ela vem. Ilumino meu olhar para meus parceiros, e eles ficam com a certeza de que estaremos juntos de novo em algum novo roteiro, um novo projeto. Eles surgem a toda hora, é uma overdose de possibilidades que meus dois olhos, abertos ou fechados, estão a monitorar. Minha querida amiga Kundry tem uma frase para isso, que não é dela, mas de um colega com quem ela trabalhou: "Minha cabeça está muito cheia de pensamentos". É o meu caso.

Lembro-me de um professor que tive no curso de filosofia, Irmão Pergentino Pivatto, que eu admirava pela inteligência e pela serenidade. Em uma de suas aulas, o tema era sobre a in-utilidade da filosofia e do filosofar. Naquela tarde eu tive certeza de que eu estava no curso certo. De uma vida errante, onde só importa o que é útil aos olhos do mercado, do consumo, do jogo-de-cintura-que-temos-que-ter-em-todas-as-relações. Eu não tenho. Sofri e continuo sofrendo demais com isso. Filosofar, como muito bem filosofou Roberto Gomes, é enxergar um palmo diante do nariz. Parece simples? Acham, por acaso, que os filósofos são uns lunáticos, inúteis?

Se fosse assim, nos Anos de Chumbo não teriam tentado terminar com as "cabeças pensantes": estudantes, professores, intelectuais, líderes e defensores dos direitos humanos foram sumariamente taxados de comunistas, perseguidos, e muitos foram torturados e desaparecidos, alguns foram suicidados, como a história nos mostra.

Estou falando apenas do que ocorreu em um passado não muito distante em nosso país.

Os filósofos não são inúteis. Pensar não é inútil. Nem todo o professor de filosofia é um filósofo, e nem todo o pensador é um filósofo, mas todo filósofo é um pensador.

Pensar é algo que não nos limita em nossas limitações corpóreas, físicas, espaciais. Podem nos amarrar, nos torturar, nos ameaçar, e ainda assim ninguém nos arranca nós de nós mesmos. A não ser que a gente queira. Como muitos, que não tem opinião própria, ou que a vendem, ou que a usam para "ganhar" algo. A força do pensamento é tão poderosa que pode ser usada para o bem e para o mal, e até mesmo não ser usada. Porque pensar dói. Significa enxergar um palmo diante do nariz.

Para quem quiser refletir um pouco sobre a importância de ter um pensamento próprio em um mundo de consumo, eu recomendo o filme "A classe operária vai ao paraíso", clássico do cinema italiano dirigido por Elio Petri. E, de quebra, contemplar a música do inigualável Enio Morricone. Dia 18/06, 18h30, o filme será exibido na Faced/Ufrgs, em um ciclo maravilhoso coordenado pelo professor Luiz Carlos Bombassaro. A entrada é franca.

É só olhar. E pensar.
Fiquem bem!