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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Natural e Sobrenatural

Queridos e queridas,

Começo de outra madrugada. Tomo uma xícara de café para fazer companhia à insônia. Hoje eu gostaria de poder deitar, dormir e sonhar com um bom filme. Mas como não conseguirei fazer isso, vou imaginar aqui sobre qual filme eu gostaria de sonhar. Alguma coisa light, uma comédia, por exemplo. Neste momento, a única que me ocorre não parece ser muito adequada para um sonho: Morte no funeral.

Ocorre que este filme, realizado em 2007 sob a direção de Frank Oz, apresenta, óbvio, uma morte e um funeral. Até aí, nada de cômico. Mas quando uma família completamente desajustada se reúne para velar o patriarca, um estranho aparece para fazer uma chantagem que vai desencadear diversas situações bizarras e hilariantes. Pronto. A morte virou comédia. É a única vez em que podemos rir diante da morte, quando um bom filme assim é feito.

Esta produção alemã, inglesa e norte-americana, reúne um roteiro com piadas muito bem feitas, de um humor inteligente e corrosivo, e um elenco afinadíssimo. A grande piada gira em torno de uma típica família inglesa, do alto de seu poder aquisitivo e costumes burgueses. Por trás dessa máscara, porém, há inúmeros segredos e ciúmes entre os parentes.

No filme tem um filho que quer ser correto o tempo todo, um filho que quer ser incorreto o tempo todo, um potencial parente que se droga sem querer e passa a fazer maluquices, um anão homossexual que quer chantagear a família, e um patriarca que, quando vivo, era um cidadão acima de qualquer suspeita, e que, depois de morto,
deve enterrar consigo o seu passado obscuro.

O filme Morte no Funeral é simples e é refinado, ao mesmo tempo. As piadas são simples e igualmente refinadas. Sem subestimar o espectador, sem querer forçar piadas nem para o grosseiro, nem para o sem-graça, do tipo quanto-menos-gente-entender-melhor-é-a-piada. O filme funciona por isso: porque é despretensioso, é simples. No cenário, na idéia central. Não lida com o tema da morte de forma a subestimá-la, ou, pelo contrário, superestimá-la.

Morrer é isso aí, cair duro de repente, e de repente parar de respirar. É ponto final. O resto é fazer o funeral. Aí sim é que começam a emergir os problemas, no mundo dos vivos. O morto está ali, tranquiiiiiiilo. Tem todo o tempo do mundo para dormir, para descansar. Enquanto isso, aqueles que muitas vezes pareciam ter sido os seus melhores amigos, os seus parentes de sangue que mais lhe adoravam, quando se vê, pufff, começam a aflorar ora sutil, ora escancaradamente, as ciumeiras, as fofocas, as disputas ora veladas, ora declaradas, pelo legado da vítima. E não é legado moral, é patrimônio mesmo. Esquecem que o morto tem ouvidos, e pelo fato de estar ali, quietinho, não significa necessariamente que não está vendo, ouvindo ou sentindo em algum ponto, em algum lugar, o que passaram a fazer dele, além de considerá-lo uma estátua rígida.

Não há nada de cômico nisso, e infelizmente, acontece em muitos velórios, em muitas cerimônias do adeus. Chegam, lacrimejam com um olho, e com o outro, um tempinho depois, estão na casa do falecido fazendo churrasco na churrasqueira que ele não usava mais, mexendo nas coisas que ele relutava em usar. Como diz o ditado dos tempos capitalistas pré-apocalípticos:
a fila anda!!!
Essa cena do churrasco não está em Morte no Funeral. Eu vi acontecer. Fiquei chocada e ao mesmo tempo incomodada comigo, por pensar que não cabe a mim julgar. Mas não consegui ficar indiferente. Se fosse no filme de Frank Oz, teria sido uma cena cômica, com certeza. Mas era real. E não tinha graça nenhuma presenciar a ausência de uma pessoa amiga, e testemunhar a presença de pessoas estranhas.

A morte é natural. A vida? Sobrenatural.
Abraços!

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