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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Dois mil dólares de carinho

Queridos e queridas,


Sobre o que escreverei hoje? Olho em torno de mim, de olhos fechados. Penso: onde meus olhos abrirem e pousarem o olhar, aí estará a história de hoje. Abro os olhos, e miro um livro de Jean-Paul Sartre. Aproximo o olhar para ler o nome do livro. Quando leio, cerro os olhos, meio que envergonhada, meio que excitada. A Prostituta Respeitosa. Entre as várias obras do escritor e filósofo francês, esta pode ser considerada mais amena, menos complexa. É uma peça teatral em um ato e dois quadros. Mas basta começar a ler a história da prostituta Lizzie, para compreender a profunda metáfora que ele cria em torno da França, um país dividido entre os alemães e os aliados, os colaboracionistas e a resistência. Vender-se. Para quem e por que?

Nesta peça escrita em 1946, Sartre aborda situações de violência, opressão e racismo, critica a sociedade norte-americana baseada na exploração. Uma grande potência que se espalha sobre países em desenvolvimento. Os tempos passam. Mudam os nomes, mas não a situação. A exploração de um sobre o outro. Quem se vende para quem, e por que?

A sociedade trata com respeito a prostituta de luxo, e trata com desprezo a prostituta do lixo. Há níveis na sociedade da hipocrisia. Do tráfico à exploração sexual de menores, e do oferecimento de sexo pago a senhores de fina classe, há uma tênue, porém, marcante diferença. Na primeira situação, crianças e adolescentes são vítimas de um sistema abusivo, mercenário, que mira lucrar 100 por cento com custo zero. Na outra situação, a complexidade psicanalítica de um ato sexual que é tão somente um ato sexual e ao mesmo tempo é muito mais do que um ato sexual.

O filme Anjos do sol (2006) dirigido por Rudi Lagemann, mostra a vida de Maria, uma menina nordestina que aos 12 anos de idade é vendida pela própria família para um recrutador de prostitutas. Ela faz sexo pago. Ela é prostituta? Ela sofre abusos.

O cineasta norte-americano Steven Soderbergh faz uma apresentação mais respeitosa, diria Sartre, sobre a vida de Chelsea, uma garota de programa de luxo que oferece um pacote incluindo sexo, conversa, acolhimento aos seus carentes e ricos clientes da alta sociedade. Ela é prostituta? Ela é uma namorada de aluguel, é um oráculo de prazer, é uma mulher que trabalha e ganha dois mil dólares em uma hora de trabalho.

O filme, "Confissões de uma garota de programa" (2009) mostra a possibilidade de que, em uma sociedade capitalista pré-falimentar, ou, nos meus termos, na sociedade capitalista pré-apocalíptica, se possa vender a idéia de um tempo de prazer associado a uma relação humana autêntica, íntima, de entrega total, tanto sexual como interpessoal. Por dois mil dólares, é possível se entregar ao prazer, se entregar ao êxtase. Pagar para conversar. Pagar para dar e receber conselhos. Pagar para se queixar da vida, do dia-a-dia. Pagar para pedir atenção. Depois, volta-se para a vida de sempre, com a crise econômica, com a campanha eleitoral, com a concorrência por um lugar ao sol.

No meio de tanta carência afetiva, de tanta falta de sentido na vida, a prostituta respeitosa, do luxo e do lixo, nada mais são do que os oráculos de uma sociedade que grita emudecida pela falta de mais entrega verdadeira, de mais doação de amor de verdade. O fato de Soderbergh dirigir uma atriz pornô em um filme no qual ela não faz sexo, uma prostituta que confessa e que é confessionária, é uma visão bem interessante deste cineasta que assina filmes como Traffic, Che, Erin Brockovich e o clássico Sexo, mentiras e videotape.

Fecho o livro do Sartre, imagino a peça encenada, e fecho os olhos lembrando da triste cena em
Anjos do sol quando uma das meninas é arrastada por uma corda amarrada em uma caminhonete, até a morte, porque tentou fugir daquela vida. O sistema de exploração só existe, se sustenta e se mantém porque existe o explorador e existe o explorado. Com todo o respeito, o sistema invade os lares, os casais, as famílias, quebrando a bolsa, desvalorizando o dólar, reacendendo a guerra fria. Vender-se para quem, e por que? Se tudo o que todo mundo precisa, como bem sabem Lizzie, Maria e Chelsea, é apenas carinho.
Boa noite.

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