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Porto Alegre, RS, Brazil
escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

domingo, 12 de julho de 2009

Nada é tudo

Queridos e queridas,
Dizem que Roma não se fez num dia, e que Deus criou o mundo em seis dias, e no sétimo, descansou. Afinal, ninguém é de ferro, nem Deus. Só Iron Man. E os workaholics, nos quais eu me incluo. Neste final de domingo invernal eu fico a pensar: em qual domingo recebi amigos, fui passear, fazer simplesmente nada? Não me recordo. Havia uma época, numa galáxia muito distante, em que os domingos eram dias sagrados, dia para reuniões de família, entendendo-se por família eu, meu ex-marido, meus filhos, meus pais, minhas irmãs, meus sobrinhos, meu cunhado, meu primo. E se for até uma galáxia mais distante ainda, incluem-se meu avô, tios, tias, primos e primas. Mas daí eu era quase criança.

O tempo passa, tudo na vida é movimento, pessoas vem, pessoas vão. Do que foi bom e do que foi ruim ficam as lembranças. Dou-me conta de que o gosto de domingo é para mim saborear a memória do sabor do churrasco feito pelo meu pai, a salada de maionese feita pela minha mãe, e as tardes em que fazíamos nada e eu ficava inquieta por causa disso. Só agora dou-me conta de que aquele nada era tudo. Estávamos lá, juntos, reunidos e unidos, como uma típica família italiana. Entre "tapas e beijos" todos se salvavam. E tudo recomeçava no próximo domingo. Daquela época, a única coisa que continua igual é o programa Silvio Santos.
Tentei reunir os amigos em minha casa. Algumas poucas vezes foi possível, e foi muito bom. É a melhor terapia de grupo, reunir-se com amigos. Conversar, sorrir, divertir-se. Fazer nada que é tudo. Mas as pessoas hoje em dia não tem tempo. Até para tomarmos um cafezinho expresso às vezes marcamos, remarcamos, e no dia, cancelamos. Compromissos. Somos pessoas tão compromissadas, que nos esquecemos de nós mesmos, de quem gosta de nós, e de quem nós gostamos. Parece que eles podem esperar. Afinal, compromissos tem prazos, amizade não tem data de validade. Mas a vida tem.
Um dos meus filmes de cabeceira para assistir em um domingo invernal chama-se Parenti Serpenti (1992) do genial cineasta italiano Mario Monicelli. Este diretor tem aquela veia de humor cáustico que eu tanto aprecio. Faz a gente rir do amargo cinismo que habita a psiqué humana. Todos são bons, todos são maus, todos se revelam diante de uma situação. E isso vale para as relações parentais, para os laços de sangue, para a sagrada família.
Neste filme, a casa da nonna é o útero que recebe abertamente todos os familiares para comemorar a ceia de Natal. Os velhinhos Calapietro, porém, fazem um anúncio aterrorizante: não tem mais condições de morar sozinhos. Os filhos passam, então, a revelar suas verdadeiras personalidades no jogo do empurra-empurra. Ficar com os bens materiais é uma coisa; ficar com os pais velhinhos é outra. O espírito fraterno e solidário, a família unida e na santa paz, tudo isto deixa de ser um discurso magnânimo para desvelar o verdadeiro caráter de cada um. Monicelli desconstrói o mito da família unida, e consegue nos fazer rir da desgraça, da miséria humana que somos quando queremos ser. Um aquecedor superaquecido resolve o problema, mas não a falta de caráter.
Então, para um domingo que está quase terminando, fico com a saudade das reuniões que nunca mais voltarão a acontecer, e das que eu gostaria que acontecessem, porque ou damos valor às pessoas que nos querem bem enquanto elas estão perto de nós, ou então ficaremos trabalhando, trabalhando, trabalhando, enquanto até mesmo o Criador descansa.
Bom descanso!

Um comentário:

  1. Oi querida Giancarla.
    Parabéns garota e, que bom que ainda tens tempo de escrever. É algo que não deves parar nunca, mas te dá um tempo pra curtir este "nada que é tudo". Isto nos ajuda a pensar e amar melhor nesta vida. Li outro dia nos poemas no ônibus: "levei-me muito a sério! Lamentava o epitáfio no cemitério" e concordei perfeitamente. A gente corre demais sei lá para onde e depois lamentamos feito este autor ou Jorge Luis Borges. Que não nos esqueçamos de sempre nos darmos um tempo para curtir aqueles e aquilo que amamos!
    Um grande beijo da Lu da Faced (da pesquisa sobre a concepção de beleza na cultura indígena)

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