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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Final feliz

Queridos e queridas,
Ontem fui acordada com o barulho da sirene de uma ambulância. Eu sabia que esse dia chegaria. De umas semanas para cá meu vizinho de 80 e poucos anos recolheu-se em sua casa. Não era por causa do frio, da chuva, do vento, da umidade. Tudo isso junto nunca o abalou. No inverno, ele e sua mulher, também de 80 e poucos anos, iam para Goiás, ficavam em um hotel com um piscinão térmico e tudo o que tinham direito, para retornarem quando começava a Feira do Livro, na Porto Alegre primaveril. Eu fico recolhida em meu silêncio, e me pergunto se ele voltará para casa. Não sei. Algumas doenças chegam de repente, e de repente nos deixam, ou nos levam. Faz dez anos que eu os conheço, dez anos que os via tomando chimarrão juntos, conversando, conversando, e eu a me perguntar, de onde tiram tantos assuntos, qual é o segredo de um relacionamento de mais de cinquenta anos? Almas gêmeas, caras metades, amor. Sei lá. O que importa é que são duas pessoas que deram certo.

De umas semanas para cá eu não os via mais tomando sol, tomando chimarrão, conversando, conversando. Senti falta deles. Eu quase não falava com eles, eu sempre correndo de um lado para outro, fazendo uma coisa, fazendo outra. E acho que não faço é nada. Eles estavam ali, com cadeiras de praia, sob o parreiral, com as frestas de sol a iluminar um casal tão bonito, tão simpático. Não pude deixar de lembrar as vezes em que ele, do outro lado do muro, conversava sobre todo o tempo em que trabalhou, com orgulho de ser servidor público, e de seu total ceticismo com relação às mudanças que viu ao longo de seus 80 e poucos anos tão bem vividos. Falava-me sempre com muita alegria e nostalgia dos inúmeros passeios e viagens que fez com sua mulher pelo Brasil inteiro, de avião, de ônibus, de trailer. Até mesmo quando as vezes, nas poucas vezes que flagrei um ranzinza com o outro, era uma forma carinhosa de expressar, eu te amo mesmo quando as vezes fico cansado de ti.

Nunca vou esquecer de quando ele me viu, recentemente, em um momento muito difícil, e me falou: conte com a gente para o que precisar. Qualquer coisa. É só chamar. Qualquer coisa. Sem constrangimento.

Hoje é um dia, é uma noite, e será uma madrugada na qual lembrarei dessa oferta tão solidária, tão carinhosa. Eles me fazem lembrar de meu pai e de minha mãe. Hoje eu gostaria de poder receber a ligação de minha mãe, como ela costumava me ligar todos os dias. E pensar que quando ela perguntava por todos, um por um, eu às vezes não tinha paciência com ela... Hoje, eles não tem como me telefonar. E eu olho para o outro lado do muro, e só vejo a lembrança das frestas de sol, do parreiral, do casal de velhinhos tomando chimarrão.

Desculpem, queridos, hoje não é um dia bom para eu escrever. Às vezes, ler uma frase, um final de um parágrafo, de um texto, muda tudo. Estou virando uma página, terminando de ler um livro, e o final não é o que eu gostaria. É como um filme, cujo roteiro nós não criamos. Quando somos apenas espectadores, nos limitamos a ver, gostar ou não gostar da história, do seu final. Mas a história já foi feita. Nos livros, nos filmes, na vida, nem sempre o final é feliz.
Abraços.

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