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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Adeus, fúria!

Queridos e queridas,

Um dos meus primeiros posts deste blog foi sobre o filme Um dia de fúria. Acho que este passará a ser um dos meus filmes de cabeceira. Assim como o filme Adeus, Lênin! (2003), dirigido por Wolfgang Becker, que faz uma crítica ao que a burocracia e o capitalismo tem de pior. Melhor um filme sobre a fúria do que uma explosão real de fúria. Será? Vejamos.
Há alguns meses, eu tentei locar um imóvel para abrir uma produtora. Entre mil e um documentos desta e de minhas encarnações passadas, eu precisava de uma negativa do banco, que por sua vez precisava de uma negativa de uma loja da qual sou cliente há dez mil anos atrás, que por sua vez informou-me, depois de eu repetir a mesma solicitação a dez mil pessoas, que eu tinha que aguardar o FLUXO. Que aguardar o que, eu queria garantir a locação, e expliquei ao gerente, com cópia oculta ao Obama e ao papa, que eu queria apenas o que era direito meu. Ledo engano.
Então, chorei. Não, não foi encenação, não sou atriz. Eu estava farta do fluxo, do sistema, do stress, do grande irmão. Eu só queria o que era direito meu. Então, o gerente agiu, o banco agiu, o papel chegou e o seguro-fiança negou. Motivo: mais renda, só a minha não era suficiente. Não preciso dizer que ele deve ter desconfiado... essa gente que quer abrir produtora e trabalhar com filmes... São americanos? Não. São da Globo? Não. Então...

Então me telefonaram nesta semana da grande rede de departamentos para me informar, educadamente, que o sistema tem lá uma cópia de uma declaração assinada por mim, e que se eu não fosse buscar ainda nesta semana, o tal documento seria arquivado em algum lugar deste planeta, por ordem do sistema, para seguir o fluxo. Como eu sou contra o sistema, e o fluxo que vá para aquele lugar, fui no mesmo dia resgatar o que afinal continha o meu nome.
Fui de novo atendida com um alto nível de educação, e com o mesmo nível de incompetência.

Aguardei pacientemente por mais de trinta minutos, enquanto um, depois dois, e depois três atendentes procuravam o tal documento. Enquanto isso, para não lembrar de Michael Douglas, passei a contemplar a decoração do local. Fiquei com pena deles. Como podem trabalhar e serem felizes em um lugar sem alma? Mas foi aí que eu vi algo estupendo, cena de cinema: uma caixa, provavelmente de sapatos, forrada cuidadosamente com um papel de embrulho bem bonito. Na parte superior, uma etiqueta grande, onde estava escrito com letras lindas:
"Papéis de rascunho 2009".

Aí comecei a palpitar, suor frio, mãos trêmulas, tiques. Arritmia, síncope. Então, se eu tivesse ido resgatar uma folha de rascunho relativa ao ano de 2009, estaria resolvido o meu problema. O problema seria se eu quisesse uma folha de rascunho relativa ao ano de 2008... 2007 então? Estaria no arquivo morto? O que o sistema prevê em situações como essas?
Me diga, o que você faria em meu lugar?
Eu pensei em fazer greve, passeata, moção de repúdio. Ir na Delegacia do Consumidor. Procurar um advogado. Apostar na solidariedade humana. Ninguém mais compra na Grande Rede de Departamentos! Abaixo o Sistema!! E o fluxo que vá para... aquele lugar.

Depois de um segundo de reflexão existencial, cheguei sabiamente à conclusão que uma voadora seria a melhor solução. Papéis de rascunho voando por todos os lados, e eu faria aviõezinhos de papel, sopraria pra bem longe, prá lá de Bagdá... os atendentes sairiam desesperados, procurando resgatar freneticamente os papéis, os restos de papéis, os escombros dos papéis, e eu picotando, picotando, picotando... e rindo, feliz, muito feliz.

Eu seria levada pelos seguranças da Grande Rede de Departamentos. Os transeuntes, vorazes ou potenciais compradores da Grande Rede de Departamentos, estariam olhando acusadoramente para mim. Uns achariam divertido. Outros defenderiam a ordem e o progresso. Nenhum viria perguntar o que realmente estava acontecendo. Não era com eles. Os atendentes seriam sumariamente demitidos pela incompetência em organizar o sistema. O gerente providenciaria imediatamente uma nova caixa de sapatos, desta vez com um super-sistema de segurança conectado diretamente ao seu celular, para evitar futuros ataques terroristas.
E tudo voltaria à santa paz, à normalidade...

E eu? Provavelmente seria fichada na polícia, encaminhada para fazer exames de sanidade mental. Aguardaria em uma fila. Depois outra, para assinar alguns papéis, preencher informações. Sabe como é, moça, é o sistema.
E se eu dissesse ao delegado de plantão que eu sou da área de direitos humanos...
Bom fim de semana!

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