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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

terça-feira, 23 de junho de 2009

A escadaria e o melhor filme do mundo

Queridos e queridas,

Um pensamento que me c0nsome é a dificuldade de trabalhar na área artística nesta cidade, neste Estado, neste país. O trabalho do artista não é, em geral, valorizado. Às vezes o reconhecimento vem somente depois que o artista saiu de sua província, ou voltou do exterior, ou foi descoberto por um "olheiro", ou quando foi escalado para o elenco de Malhação, ou quando foi selecionado para o Big Brother, quando tem um caso com Madonna, ou quando a ele se fazem homenagens póstumas. Às vezes, nem antes, nem depois de morto.
Gente muito boa, competente, dedica sua vida à arte, são atores, artistas de circo, de teatro, músicos e compositores, são escritores, cineastas, produtores culturais, e... a história se repete. Falta verba, falta vontade política, falta visão, falta cultura. Excesso de corrupção, excesso de alienação, excesso de narcisismo. Quando falta a arte, falta o ar puro. Ao contrário de ser fútil e inútil, a arte é a maior e mais profunda expressão de humanidade, dos sentimentos humanos. Dos rastros que as culturas deixam ao longo do tempo, seus vestígios, legados, seu sentido neste mundo. Por exemplo, uma escadaria.

Descendo os degraus de uma escadaria hoje, dei-me conta de que uma escadaria não é apenas uma escadaria. É cinema puro. De gênio. De Sergei Eisenstein. Este cineasta russo roteirizou, dirigiu e realizou aos 27 anos de idade“O Encouraçado Potemkin” (1925). O filme não só é considerado a obra mais importante de Eisenstein, como uma das mais importantes do cinema em todos os tempos, o melhor filme do mundo. Muito embora tenha sido encomendado para celebrar os vinte anos da Revolução Russa, O Encouraçado Potemkin transcende o contexto histórico e ideológico que o gerou, e é uma obra de arte composta por uma montagem inovadora, com o uso da teoria das atrações, impressionantes movimentos de câmera e a sequência de um massacre que eterniza em imagens as perseguições a pessoas inocentes. E isso não é coisa de cinema, infelizmente: a multidão tranquila, em festa. Tiros, correria, perseguição. O homem sem pernas corre. A criança cai morta. O desespero no rosto da mãe. A criança morta e pisoteada. A fuga em massa. Os soldados avançam, armados. O carrinho de bebê desce desgovernado pela escadaria.

Uma escadaria que representa os degraus dos que sobem ao poder, totalitários, e os que descem, reprimidos pelo autoritarismo. Uma escadaria que simboliza o absurdo dos regimes que, em nome de uma ideologia, massacram inocentes. A sequência do massacre na escadaria de Odessa é uma obra-prima de Eisenstein, e nem por isso ele teve uma vida digna de seu talento. Fez várias outras grandes obras, mas teve sua produção "limitada" por governantes comunistas, e também não teve sorte ao tentar a vida nas terras capitalistas made by Eua. Morreu de ataque cardíaco, e eu imagino, de desgosto. Afinal, Eisenstein, mesmo simpatizante do marxismo, tinha atritos com o regime de Stalin, por defender a liberdade de expressão artística e a autonomia dos artistas.
Sentada em uma escadaria pichada em Porto Alegre, fico a imaginar se Eisenstein fosse filmar hoje O Encouraçado... dependeria do patrocínio de grandes bancos privados? Contaria com o apoio estatal? Não, não. Neste mundo em colapso de ideologias, de sistemas econômico e político, o espaço para a arte é a serventia da casa.

Que bom seria se uma escadaria fosse apenas uma escadaria. Para sentar, subir ou descer degraus. Mas as imagens eternizadas pela genialidade de Eisenstein servirão sempre para mostrar que, por causa dos absurdos que se fazem em nome de governos e ideologias, pela escadaria os inocentes com pernas e sem pernas correm. Morrem. Talvez muitos, como os bebês e as crianças, sem terem tido tempo de entender o sentido do absurdo.
Fiquem bem!

Um comentário:

  1. Esse filme é bárbaro! Olha, infelizmente a gnt vive num País onde a realidade é deixar a Arte em 2º plano, é acreditar que ela é apenas uma diversão, algo que não tem futuro e não leva a lugar algum...

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