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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Perambulando em Dourados




Queridos e queridas,

Saudade de escrever aqui! Mas nesses dias em que estive em Dourados, no Mato Grosso do Sul, vivi momentos muito bonitos e energizantes. Fui trabalhar, participar de um evento na área de direitos humanos, o Congresso Transdisciplinar de Direito e Cidadania. Lá, palestrei e participei de outras palestras. Conheci professores e pesquisadores envolvidos e entusiasmados com a causa dos direitos humanos. Pessoas de vários estados e países, cada um falando um pouco sobre o que está acontecendo em sua região, e sobre o que estão pesquisando. Conversei com moradores da região, que embora cravada no centro-oeste brasileiro, é constituída por um número enorme de gaúchos e de outros sulistas, como catarinenses e curitibanos. Descobri pouquíssimos douradenses de nascimento, mas fui muito bem recebida por todos, todos mesmo, desde à chegada até o retorno ao aeroporto.

Fiquei com bolhas nos pés e sorriso escancarado no rosto ao caminhar pelas ruas retas e planas da cidade, povoada por muito comércio, ruas arborizadas, calçadas com rampas de acessibilidade para cadeirantes, e muito fluxo de motos e bicicletas. Descobri um café simplesmente formidável, no qual eu gostaria de pernoitar ou morar, se pudesse, até terminar de tomar todo o estoque de cafés, especialmente o cappuccino preparado naquele lugar. Fiz novos contatos, e melhor ainda, novas amizades. Em um congresso transnacional, relacionamentos transnacionais. Pessoas muito queridas, mesmo. Eu estava com muita saudade daqui, dos que me são caros, e voltei com muita saudade dos que me receberam tão fraternalmente, e os quais espero rever sempre que possível.

Cinema. Um dos motivos que lá me levaram. Apesar de não ser um pólo cultural, não ter múltiplas salas de cinema, na Universidade Federal da Grande de Dourados há o cineclubismo, e um projeto do curso de Direito denominado Cinema e Direito, com a exibição de filmes e debates focados em temas de direitos humanos. E eu tive a oportunidade e o privilégio de lá exibir o documentário que pesquisei, roteirizei e co-dirigi, Perambulantes.

Foi um momento único em minha vida. Especial mesmo. E por múltiplas razões. Não vou aqui falar sobre elas. Apenas sobre uma. A principal. Estava eu naquela cidade, naquele Estado, naquela região, onde há reservas indígenas, onde há milhares de indígenas de várias etnias que vivem ali, colados na cidade, no meio urbano. Vivem em condições precárias. Sem sustentabilidade, com crianças morrendo, com jovens se suicidando, com assassinatos de indígenas, com exploração da mão-de-obra na terra do agronegócio, nas lutas pelas terras produtivas, na demarcação de terras, na falta de uma assistência efetiva da Funai, nos preconceitos que essas comunidades enfrentam, nos seus pedidos de ajuda, de pão velho, de qualquer coisa que os ajudem a sobreviver. Continuam tutelados, 509 anos depois.

A luta pela visibilidade dos problemas que afligem as comunidades indígenas está ali, pulsante, sangrando, e aparentemente está tudo normal. É o que vemos quando caminhamos pelas ruas centrais e arborizadas e tranquilas da cidade. É o que vemos ao lermos os jornas locais. Felizmente, os professores universitários desenvolvem ações como este congresso, para abrir um debate sobre a sangria que escorre, para não mais tapar o sol com a peneira. E lá estive eu, vendo mais uma vez o filme, e desta vez juntamente com uma atenta platéia formada especialmente por alunos e professores dos cursos de direito do Mato Grosso. E por indígenas. Conversei com índios Terena que lá estudam. Um deles me disse que os índios de lá não tem perspectivas. Há motivações para morrer, e não para viver.

Talvez por ter tido essa conversa, minha fala para esta platéia foi um desabafo. Um testemunho de alguém que quando começou a fazer este filme, tinha o ideal de fazer algo que mudasse, que transformasse uma realidade tão dura como a dos indígenas. Depois me dei conta das limitações que um filme envolve. Mesmo se tratando de um documentário, um filme é e sempre será um filme. Uma história contada por alguém. Construída em imagens e sons por uma equipe, mediante uma direção que aponta caminhos, técnicas e um fim em um determinado tempo.

Após o filme ficar pronto, ser lançado, ser distribuído, caiu a ficha. Das limitações que temos enquanto realizadores para efetivamente mudar uma situação real, concreta, que exige mudanças urgentes. O filme é um poema, o filme é uma denúncia, o filme é uma história que abre várias portas: a porta da história, da educação, do direito, da antropologia. O filme é a busca de um diálogo entre etnias e culturas distintas. É a estréia no roteiro e na direção de uma aspirante a transformar problemas em soluções, e que terminou encontrando mais problemas do que soluções.

Compartilhei essas experiências e aprendizados com uma platéia especial, que participou do debate com perguntas enriquecedoras, com opiniões baseadas em visões críticas. Foi, para mim, uma aula sobre cinema e direitos humanos. E, depois de três anos trabalhando nesse tema, da pesquisa à exibição, senti um sentimento lindo e puro, como há muito não sentia: a alma leve, flutuando, por estar ali, ao lado de jovens que anseiam por mudanças. E ao injetar ânimo e coragem neles, renovei a mim mesma. Tenho certeza de que todos saíram de lá com uma visão diferente sobre a realidade indígena. Com respeito, e com a necessidade de fazer algo por eles. Como eu disse na palestra: fazer por eles é fazer por nós mesmos. Porque em tudo há uma ligação. Até onde vale a pena fazer tudo o que se faz pelo mundo do capital? Onde esse mundo está nos levando?

O que eu sei, é que enquanto houver a resistência, não haverá a extinção. Precisamos, às vezes, quebrar as regras para transformar o direito em justiça. Resumo o valor desses dias em uma palavra: gratidão.
Bom fim de semana!

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