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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Lava-pés, os poetas e os idiotas


Queridos e queridas,

Até o post de hoje, eu não havia lhes falado sobre quando comecei a realizar vídeos: roteiro, produção, direção... O interesse pelo cinema existe, por certo, desde quando eu era um fetinho. Meu nascimento foi algo cinematográfico. Com direito a tudo o que eu não tinha direito: muitas dores em minha mãe, muita correria entre os médicos, por conta de problemas detectados imediatamente após o meu primeiro suspiro. Eu fui a filha que mais demorou para nascer e que menos demorou para começar a incomodar... Tudo me incomodava: a poluição que me provocou a bronquite; a curiosidade, que me levava a cometer atos insanos, como abrir um sofá para ver o que tinha por dentro, ou beber um copo com gema de ovo achando que era bebida de adulto... A falta de confiança em mim mesma, que me levou a escrever uma "cola" de Geografia no estojo de madeira; tirei nota máxima, pois ao preparar a tal "cola", memorizei a matéria. Só que isso não "colou" quando a professora viu meu estojo aberto... Meus pais foram chamados à escola. E eu aprendi a lição: se eu gosto tanto de drama e de ação, eu deveria escrever mais sobre isso.
Seria menos perigoso para mim e para os outros.

Nas redações da escola era só nota dez e dez e dez. Nas redações da vida, como poemas de amor, diário com anotações de uma adolescente existencialista, era só zero e zero e zero. Eu lia muito, de histórias em quadrinhos a clássicos de filosofia que eu pegava na estante de livros de meu pai. De fotonovelas italianas de minha mãe a obras de Machado de Assis. Escrever era já uma necessidade, uma extensão de meu braço, de minha mão canhota e de meu cérebro. Mas não era suficiente. Minha imaginação precisava das imagens que o texto sugeria, mas não mostrava.

Somente quando já adulta, e tendo escrito um livro de poemas, além de vários contos engavetados, e alguns roteiros bem guardados, resolvi cometer mais um ato insano. Desta vez, não abri outro sofá, nem bebi água da privada... Fui fazer um vídeo. Queria fazer um documentário em um minuto, um minuto e meio no máximo. Queria fazer algo útil, algo com sentido, algo que expressasse muito mais pelo visto, pelas imagens, que eu não precisasse escrever uma tese. Que todos vissem e entendessem. Eu perdi um sobrinho lindo e querido, com apenas 15 anos, assassinado por engano. Minha melhor amigairmã Valéria havia perdido seu filho Rodrigo em um assassinato igualmente brutal - como de fato são sempre todos os crimes.
Eu escrevi o roteiro de Lava-pés, reuni amigos para produzir esse vídeo, feito de forma totalmente independente e alternativa. Uma câmera na mão, figurantes voluntários, alguns objetos de cena emprestados, e depois um baita profissional para fazer a montagem. A música, Amigo Punk, a preferida de Rodrigo, com a autorização de uso no vídeo gentilmente cedida pelos seus autores, Marcelo Birck e Frank Jorge. O vídeo foi feito, e já foi visto por várias pessoas. Em todos os locais onde foi exibido, suscitou debate, reflexão, e principalmente, o choque que todos tem ao perceber que a juventude é vítima da violência, quando a comete e quando dela é presa. Jovens matam, se matam e são mortos. Corriqueiramente. Suicídios. Execuções. Latrocínios. Muitas mães choram a perda de seus filhos.
Quando eles morrem. E quando, diante da Justiça, de um tribunal, com juiz, promotor e defensor, o réu é absolvido. Provas insuficientes? Discurso da defensoria falacioso? Júri preconceituoso? (afinal, jovens com piercings e tatuados não podem ser "boa coisa"...)
O assassino de Rodrigo foi absolvido. Dentro dos trâmites da lei, não da Justiça. Valéria sentiu a perda de seu filho mais uma vez. Enquanto alguns lavam as mãos, ela usou as suas para enxugar sua dor. Entrar com recurso? Deixar para a chamada Justiça Divina?
Conformar-se ou indignar-se? O que dizer para as mães que perdem seus filhos?

Eu apenas abraço. E através desse vídeo, o mais curto, o mais impactante, o mais importante que já fiz, procurei mostrar que podemos escrever e produzir vídeos que de alguma forma ajudem as pessoas a olhar um palmo diante do nariz, a ver o óbvio. Como aquele provérbio chinês, segundo o qual o poeta aponta a lua enquanto o idiota olha para o dedo.

Valéria. Eu fui acusada pela professora de Geografia de ter colado, e eu não tinha. Meus pais foram à escola. Depois que eu falei para eles o que aconteceu, eles me abraçaram. E acreditaram em mim. Sinta-se abraçada por todos os que te amam e compartilham de tua luta e de tua dor. E que acreditam que a Justiça existe, apesar dos idiotas que continuam a olhar para o dedo...
Beijo no coração.

9 comentários:

  1. Querida amigairmã. Já li mil vezes e estou sem palavras. Colocasse tudo muito bem, com o brilho e a acuidade costumeiros. Vamos seguir nossa luta e tu não pode deixar de escrever, já é necessidade alheia. Muitos beijos!

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  2. Parabéns! Simples, claro e direto! Infelizmente se o choro da perda não é mostrado, nada é feito!Duro é saber o quanto vale uma vida, um carro? um tênis? ou muitas vezes menos que isso...

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  3. MINHA QUERIDA AMIGA VALÉRIA,
    SABES BEM QUE ESTAMOS DO MESMO LADO QUANDO EXIGIMOS JUSTIÇA PARA NOSSOS FILHOS.INOCENTES PRESOS, ASSASSINOS SOLTOS...
    ESSE PEQUENO VIDEO ME EMOCIONOU DEMAIS.

    BRASIL MOSTRA TUA CARA !!!!!!!!

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  4. Dinda
    A violência é muito cruel, porque além de nos privar do convívio com aqueles que amamos, ela normalmente vem acompanhada da impunidade e esta sim, fere e dilacera ainda mais nossos corações e nossas vidas, deixando um gosto muito amargo de tristeza e solidão e injustiça.
    Admiro-te como mãe, mulher e cidadã, pois mesmo provando deste sofrimento impossível de narrar, continua lutando para que outras famílias não passem pela mesma experência tão triste.
    Beijos e sempre estarei contigo

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  5. Bela montagem, pena q esse minuto e meio não de conta do gigantesco discurso q teriamos a proferir sobre isso. PArabéns pela luta e pelo texto.

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  6. O texto foi redigido de forma magnífica!
    A luta tem que continuar para que se possa buscar diminuir essa violência urbana desenfreada.
    É difícil compreender o verdadeiro sentido de justiça quando nos deparamos com perdas de pessoas próximas e tão queridas...
    O Júri não trouxe o resultado que era esperado por todos, mas a justiça divina trará.
    O vídeo ficou lindo, simplesmente emocionante!
    Mega beijo!
    Tia Valéria e Giancarla, continuem na luta!
    Força sempre!

    Aliucha

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  7. Felipe Bitarello e Família3 de outubro de 2009 às 21:00

    É demais comovente o drama de perder algum ente querido como minha amiga Valéria perdeu, tive oportunidade de conhecê-la e de sentir um pouco do amor, da garra e da coragem que esta mãe tem para com os seus filhos Roberta, Rafael e Rodrigo.

    Palavras não expressam tanto os sentimentos quanto um ato, um carinho ou até um abraço. A indignação com o Judiciário, a dor da perda e a falta de coragem de lutar por um mundo melhor, fazem muitas pessoas desistirem na primeira topada.

    E Valéria minha amiga, é lindo o que tu fazes, é de uma coragem enorme e o que mais nos chama a atenção é o amor que sentes pelo teu filho, aliado a uma "revolta sadia" que não tem fim!

    Queremos deixar os nossos votos de amor, serenidade e MUITA PAZ nessa caminhada tua em luta pela Justiça e saiba que sempre ao lembrarmos de vc, te temos como exemplo de MÃE!

    Um Abraço, um Beijo!

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  8. Quando os NOSSOS nos são arrancados, bradamos nosso grito, nossa dor que ecoa e alcança alguns.Estes poucos são solidários a nossa dor, muito embora não a tenham sentido na própria carne. Não esperemos que esta dor dilacerante da perda, alcance todos os lares para que algo seja feito, não coloquemos toda a responsábilidade de justiça na mão daquela criatura DIVINA, lutemos por justiça nós,hoje e agora. Muito embora a dor não cesse, com a justiça pelo menos teremos certeza que não ceifarão outras vidas.

    Luzani Alves Camargo, Tia de Deniel Moraes Alves,morto em 5/02/2005 aos 17 anos,na Rua João Telles após terem furtado seu Tênis NIKE.

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  9. Eu te conheci através do mail da Cassy. A tua irmã é uma ótima RP, né?
    Pois é, Giancarla, depois deste mail, te "descobri" e me apaixonei pelo estilo "Giancarla" de se expressar. E para completar, descobrimos que o mundo virtual, que ninguém consegue mensurar, é do tamanho de um ovo de codorna.Só tu mesma pra ter esta sacada! Compartilhamos a alegria de termos um amiga como (não menos louca do que nós)Eliane.
    Ah, escrevi tudo isso pra dizer que virei tua fã. E, por favor, contrata logo a Cassy como tua RP, pô!
    bjusssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssss

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