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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A grande guerra

Queridos e queridas,

O mais antigo festival de cinema do mundo, o Festival de Veneza, foi criado em 1932. Sua 77ª edição começou nesta quarta-feira,e prossegue até o dia 12. Entre os destaques, as homenagens para o brasileiro Walter Salles, o italiano Giuseppe Tornatore, e o também italiano Mario Monicelli, que há extatamente 50 anos recebia nesse festival o Leão de Ouro pelo filme
A Grande Guerra.

O filme foi exibido em uma cópia restaurada recentemente pela Cineteca Nazionale de Bolonha. Realizado no ano de 1959, A Grande Guerra conta com as atuações de Vittorio Gassman e Alberto Sordi, como dois soldados italianos, Oreste e Giovani, que durante a Primeira Guerra Mundial são chamados para se alistar no Exército. A contragosto, vão para o front de guerra, onde tentam fazem de tudo para preservar suas vidas, em vez de lutar por patriotismo. A Grande Guerra é um drama com as pitadas de humor típicas da poética cinematográfica de Monicelli, o mesmo cineasta de clássicos como Parente é Serpente.

Monicelli tem 94 anos. Apesar da idade avançada - e que não interfere em nada em seu vigor físico e intelectual - ele e sua obra são pouco conhecidos e divulgados no Brasil. Um pouco por conta da pouca divulgação que os filmes italianos, de um modo particular, e europeus, em geral, tem em nosso país em comparação com os filmes norte-americanos. E um pouco por conta da necessidade que a Itália tem de resgatar a importância e o valor do cinema, do incentivo à realização de filmes italianos, tanto de cineastas consagrados, como de cineastas emergentes.

Monicelli filmou uma grande obra sobre o absurdo da guerra. Assim como filmou sobre a hipocrisia da instituição família. Sua comédia não foi feita para o riso fácil e inconsequente. Às vezes, o riso dá lugar ao silêncio. O silêncio dá lugar ao protesto. Como a manifestação realizada por dezenas de jovens, na abertura do Festival, contra Silvio Berlusconi,
que determinou um corte nas subvenções culturais.

Para Monicelli, a comédia italiana passa por uma crise de identidade, que reflete a própria crise da cultura. Em tom irônico, ele declarou em entrevista no Festival que a maior obra literária italiana de todos os tempos é a Divina Comédia. A obra é realmente uma referência mundial na arte. Mas e depois? O que veio depois? No cinema, na arte italiana em geral? Quais são os incentivos dados para a produção cinematográfica italiana? Resume-se esse país a shows de tevê, cômicos pastelões e enlatados de grandes redes, como a do magnata das comunicações
e todo-poderoso do governo italiano, Berlusconi?
A Itália está mais conhecida hoje pelo futebol que importa craques brasileiros, pelos escândalos sexuais e gafes de Berlusconi, e pelo símbolo que é de uma história eirigida pelo amor às artes. Mas esse símbolo não pode ser apenas uma nostalgia. É como se fôssemos olhar um museu para relembrar os grandes momentos do passado. O cinema italiano tem uma pulsação, uma verve, uma sensibilidade fulminante que não pode ficar no passado, e nas prateleiras dos grandes filmes, dos grandes cineastas e dos grandes artistas. Nas exibições em cópias remasterizadas. A Itália precisa reacender sua identidade cultural mais profunda, que está muito além de governos medíocres, de redes de comunicação alienantes. Monicelli, com a lucidez e a inteligência sarcástica de seus 94 anos, é a melhor prova de que o cinema italiano ainda tem muito a fazer e a mostrar para o mundo e para a Itália. Nas palavras de Monicelli: "É necessário lutar contra a hegemonia de países mais fortes comercialmente, mas fracos em seus valores culturais, para manter viva uma herança que teima em se
transformar em escombros como aqueles de uma guerra".
A grande guerra começa quando desistimos de lutar por aquilo em que acreditamos.
Boa noite!

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