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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

sábado, 26 de setembro de 2009

A derradeira luta do samurai

Queridos e queridas,

Choveu de repente hoje à noite, aqui em Porto Alegre. Bem, não tão de repente, se levarmos em conta o quanto este inverno primaveril, ou esta primavera invernal estão sendo temperamentais. Esquenta, esfria, esquenta, esfria. Faz sol, cai chuva. Sob inspiração desta chuva torrencial, escolhi o filme de hoje: Depois da chuva.

Já falei Cantando na Chuva, e já falei de Antes da Chuva. Cada um e cada qual, em seu estilo, são filmes fenomenais. O mesmo digo em relação a Depois da Chuva, esta multipremiada produção de 1999, que tem o roteiro do grande mestre Akira Kurosawa e direção de seu assistente e discípulo, Takashi Koizumi. A história é baseada em um conto de Shugoro Yamamoto, sobre um samurai, o Japão medieval, e o desapego. Sim, esses são os três pontos principais que fazem deste um belíssimo e comovente filme, que só foi levado às telas um ano após a morte do grande cineasta Kurosawa.

O roteiro escrito por Kurosawa, um dos últimos antes de sua morte, apresenta a história de Misawa, um samurai sem emprego que fica com sua mulher em uma hospedaria por causa de uma chuva torrencial que se transforma em uma enchente. O samurai passa a lutar, em troca de dinheiro e em busca de alimento para os que lá estão hospedados. Sua ação passa a causar desconfiança em sua mulher, com relação aos reais interesses do samurai.

Embora trate da história de um samurai, esta não é uma história de artes marciais, tão comum em filmes japoneses. É uma obra sobre a necessidade, a importância e o valor do desapego, e também sobre as mudanças que ocorrem em uma cultura, com menos valores, menos nobreza, e mais empobrecimento,tanto material como ético.

A luta do personagem samurai é a luta de uma cultura na qual outrora predominavam valores nobres de conduta, para uma outra fase, na qual a bravura, o caráter e a humildade são muitas vezes valores relegados. Em Depois da Chuva, a principal luta do samurai não é com a espada, mas com seus próprios valores. Lutar pelo que? Lutar por quê? E por quem? Uma luta somente se justifica se for por quem se ama, seja uma pessoa, uma causa, uma coletividade.

Então, enquanto continua aqui a chover todas as lágrimas do mundo, eu fico a pensar sobre a primorosa fotografia e história de um samurai que queria ser nobre, ser bom. Acho que todo o ser humano deveria ser assim. Pergunto por que isso é tão difícil de se efetivar. A nobreza de caráter, a retidão, o equilíbrio, a harmonia... mais do que treinar a mente e o corpo, é uma questão de treinar valores e posturas diante das coisas que acontecem na vida. Somos testados o tempo todo, em nossa vida pessoal, familiar, profissional. Problemas surgem o tempo todo. Como uma chuva que surge de repente, e que de repente inunda a casa, a estrada, a cidade, transforma-se em uma enchente, que carrega tudo o que vê pela frente. Quantas vezes nossa vida se transforma e transborda como uma enchente? Como uma chuva de lágrimas?

Mas...
Depois da chuva. Vem o sol. Dias melhores. Arco-íris. O desapego é um exercício contínuo. É uma luta que temos com o nosso eu. Um desafio ao autoconhecimento. Com sua extrema sensibilidade, Akira Kurosawa, o grande mestre, sabia, e seu grande discípulo, Takashi Koizumi, também soube conduzir essa obra com uma delicadeza ímpar. Todos podemos ser samurais, lutadores, guerreiros. Mais do que escolher a espada, é fundamental saber escolher o motivo. Desapegar-se para viver. Essa é a grande e derradeira luta, o grande embate, em busca da descoberta do nosso verdadeiro "eu".
Bom domingo!

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