Eu estava olhando para a palma de minha mão esquerda. A queimadura está começando a cicatrizar, até que enfim. Pensei tanto nas consequências, que quase havia esquecido da causa. Sobrenatural? Acidental? Fatal? Pode ter outra explicação também. Chama-se Eros. Na mitologia grega, ele nasceu do ovo primordial, que dividido em duas metades, criou o céu e a terra. Para os poetas alexandrinos, Eros, aquela criança alada com cara maldosa, passa o tempo dando flechadas e queimando com suas tochas. Fui queimada por Eros, aquele anjinho inocente que, por ser um deus poderoso, fere, fere cruelmente.
Procuro conselhos em vários oráculos. Cada um diz uma coisa. Resolvo ligar para uns mestres meus e proponho uma reunião com eles todos, vamos fazer uma espécie de audiência pública, mas daquelas em que se sai com uma solução. Eles aceitam. Platão reclama um pouco, diz que a idade está pesando, mas como eu prometo que depois o levarei para conhecer os banquetes do Studio Clio, ele me diz Tô nessa! Platão chegou primeiro. Começamos a conversar. Ele olha bem dentro dos meus olhos, e diz:
Na obra A República, o amor causado pela interferência de Eros atiça os sentidos todos, leva os seres a serem tiranizados por suas paixões. Eros é o tema central de O Banquete, e mais do que um jogo, é a busca pelo belo, pelo justo, pelo verdadeiro. É um amoroso delírio, pois. Da força de Eros emerge o tirano. Os desejos terríveis, no território fora-da-lei, o monstro selvagem. Temos o nosso lado humano, racional, e o nosso lado endemoniado.
Eu pergunto: Onde está a luz a nos conduzir de lanterninha para sairmos da caverna?
Platão, até então sentado confortavelmente em uma cadeira de balanço, levanta-se. Faz pose de orador e desanda a falar, olhando para o teto, para o alto, para todos os tempos:
"O que é o amor? Nem belo, nem feio, nem pobre nem rico, nem sábio, nem ignorante, nem mortal, nem imortal, nem homem, nem deus. O amor é um daimon, um gênio que serve de mediador entre os homens e os deuses. Sempre acompanha Afrodite porque foi concebido na festa divina em honra a essa deusa. Pelo lado paterno é astuto, sofista, filósofo e caçador; pelo lado da mãe de tudo carece. Longe de ser um deus poderoso é uma força perpetuamente insatisfeita e inquieta. O Eros tirânico nos escraviza, o amor platônico é libertador. Porque busca a verdade."
E como eu curo essa ferida que ainda sangra?, pergunto eu, já sem muita convicção, boquiaberta com a tranquilidade com a qual o mestre desandara a falar de coisas tão complicadas.
Nessa hora, Sócrates chega. Ele me estende, silenciosamente, um livro e um DVD. O amor nos tempos do cólera. Uma obra-prima escrita por Gabriel Garcia-Marquez, e que foi levada ao cinema pelo cineasta Mike Newell. Um homem (Javier Bardem) e uma mulher se apaixonam, mas ela casa com outro homem, e somente após cinquenta anos, eles retomam uma relação mal resolvida, uma paixão não consumida.
Eu quase me irrito com Sócrates. Estou farta de enigmas. Olho bem para ele, achando que é Voltaire. Mas ele me olha bem firme, quieto. Pego ou não pego o livro e o DVD? Vou esperar a chegada do meu amigo Freud.
Sejam felizes!
E aí, já viu o filme?! Sim? Não? Não pode perder, ele é ótimo!
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